De O Globo
RIO — Novo presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão responsável pela promoção da cultura afro-brasileira, o jornalista e militante de direita Sérgio Nascimento de Camargo já afirmou que no Brasil não existe “racismo real”, que a escravidão foi “benéfica para os descendentes” e que o movimento negro precisa ser “extinto”.
A nomeação de Sergio Camargo, que substitui Vanderlei Lourenço na presidência da Palmares, foi uma das mudanças de cargo na área de cultura publicadas nesta quarta-feira no Diário Oficial da União . Outras alterações ocorreram na Secretaria do Audiovisual e na Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura (órgão responsável pela aplicação da Lei Rouanet).
Nomeado nesta quarta-feira para o cargo, Camargo é um usuário frequente de redes sociais, onde defendeu o fim do feriado da Consciência Negra, criticou manifestações culturais ligadas à população negra e atacou diversas personalidades negras, do casal de atores Taís Araújo e Lázaro Ramos à ex-vereadora Marielle Franco. Abaixo, listamos esses e outros momentos em que Camargo se pronuciou contra valores defendidos pelo movimento negro.
Racismo ‘Nutella’
No dia 15 de setembro, Camargo publicou que no Brasil existe um racismo “nutella”, ao contrário dos Estados Unidos, onde existiria um racismo “real”. “A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda”, disse. Em 27 de agosto, havia escrito que a escravidão foi “terrível, mas benéfica para os descendentes” porque negros viveriam em condições melhores no Brasil do que na África.
Fim do movimento negro
No dia 16 do mesmo mês, afirmou que o movimento negro precisa ser “extinto” porque “não há salvação”. Em outra ocasião, escreveu que “merece estátua, medalha e retrato em cédula o primeiro branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”. Também já disse sentir “vergonha e asco da negrada militante”.
Críticas a Zumbi dos Palmares
O Dia da Consciência Negra é um dos alvos preferenciais do novo presidente da Palmares. Ele defendeu a extinção do feriado por decreto, porque ele causaria “incalculáveis perdas à economia do país” ao homenagear quem ele chamou de um “um falso herói dos negros”, Zumbi dos Palmares — que dá nome à fundação que ele agora preside. Também já afirmou que o feriado foi feito sob medida para o “preto babaca” que é um “idiota útil a serviço da pauta ideológica progressista”.
Ofensas a personalidades negras
A lista de personalidades negras atacada por Camargo é grande. Ele disse ser favorável a que “alguns pretos sejam levados à força para a África”, e cita Lázaro Ramos e Taís Araújo (classificada de “rainha do vitimismo”) como exemplo. “Sugiro o Congo como destino. E que fiquem por lá!”, disse. O sambista Martinho da Vila é outro que deveria “ser mandado para o Congo”, por ser um “vagabundo”. Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada a tiros, “não era negra” e era um “exemplo do que os negros não devem ser”.
Angela Davis, uma das principais expoentes do feminismo negro, foi chamada de “baranga” e “mocreia”. A cantora Preta Gil e a atriz Camila Pitanga foram chamadas de “ladras racistas” por, segundo ele, se dizerem negras “para faturar politicamente e fazer discurso vitimista”. Os músicos Gilberto Gil, Leci Brandão, Mano Brown, Emicida e os deputados federais Talíria Petrone e David Miranda (ambos do PSOL-RJ) foram todos chamados de “parasitas da raça negra no Brasil”.
Críticas ao funk
Além disso, o jornalista chamou a “macumba” — termo pejorativo utilizado para se referir a religiões de matriz africana — e o “funk carioca” de “desgraças do mundo” e disse que o hip-hop faz “apologia da maconha e do crime”. Para ele, uma mulher negra que seja “feminista, lulista e afromimizenta não pode reclamar da ‘solidão da mulher negra'”, porque “ninguém é louco de encarar”.
Perfil bloqueado
No último dia 9, Camargo indicou já saber da nomeação, ao escrever que estava “comemorando uma grande notícia” que seria “do interesse da direita conservadora e bolsonarista”. “Algo que farei para dar minha contribuição ao Brasil”, disse. A confirmação veio nesta quarta, mas no perfil de Maya Felix, que está marcada no Facebook como “em um relacionamento sério” com Camargo. Ela disse que o perfil de Carmago foi bloqueado e, por isso, publicou uma mensagem dele.
“Fui nomeado nesta quarta-feira presidente da Fundação Cultural Palmares, a convite do secretário especial da Cultura, Roberto Alvim. Assumir o cargo será uma grande honra e ao mesmo tempo um desafio! Grandes e necessárias mudanças serão implementadas na Fundação Palmares. Sou grato a Deus por essa oportunidade. Minha atuação à frente da Fundação será norteada pelos valores e princípios que elegeram e conduzem o governo Bolsonaro”, diz o texto.
Piada com o AI-5
Camargo também já fez piada com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), medida tomada durante a ditadura militar. No dia 1º de novembro, após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) causar polêmica por levantar a possibilidade de um “novo AI-5”, publicou uma foto de Bolsonaro com os seus quatro filhos, acompanhada da legenda “Aí, cinco”. Em agosto, sugeriu que membros do PT sejam usados como cobaias em testes, no lugar de animais.
Camargo, conforme registro em sua rede social, é formado em jornalismo pela PUC de São Paulo, mas faz constantes ataques à imprensa. Em uma postagem do dia 31 de outubro, ele afirmou ter trabalhado no jornal “O Estado de S. Paulo”. “Acabo de bloquear um dos últimos ex-colegas da redação do Estadão que me seguia. É um esquerdista. Não dá”. No dia seguinte, escreveu: “É dever moral de todo direitista desacreditar artistas e jornalistas. São parasitas e inimigos do povo e querem a nossa desgraça.”
Secretaria de Cultura não comenta
O GLOBO questionou, por meio da assessoria de imprensa, se o secretário de Cultura, Roberto Alvim, tem conhecimento desses posicionamentos de Sergio Camargo nas redes sociais e se ele acredita que as publicações estão de acordo com o cargo de dirigir a Fundação Cultural Palmares, que tem como objetivo preservar a cultura e manifestações afro-brasileiras.
A Secretaria de Cultura, no entanto, informou que não se posicionará sobre a nomeação, mas confirmou que a indicação de Camargo partiu de Alvim. Segundo o secretário Especial de Cultura, as trocas foram feitas a pedido dele e devem prosseguir durante a semana. Ele afirmou que só irá comentar sobre os novos nomes após a conclusão das mudanças.
A reportagem também procurou o Ministério do Turismo, ao qual a Cultura é subordinada, para comentar as publicações de Sérgio Camargo, mas a assessoria de comunicação alegou que cabe à secretaria responder as perguntas. Apesar disso, confirmou que a nomeação teve o aval do ministro.
Nos bastidores, comenta-se que a nomeação foi à revelia de Marcelo Álvaro Antônio. Há poucos dias, ele comentava que não pretendia fazer mudanças nos órgãos ligados à Cultura e que passaram para sua pasta no dia 7 de novembro.
Conforme o GLOBO informou naquela data, antes de transferir a Secretaria Especial de Cultura e outros órgãos ligados à área para o Ministério do Turismo, o governo Jair Bolsonaro considerou fazer a mudança do setor para Ministério da Educação (MEC) e também para a Casa Civil . Mas integrantes das duas pastas rejeitaram a ideia. A Cultura é considerada, mesmo internamente, um foco de constante polêmica e problemas do governo.
O ministro Marcelo Alvaro Antônio, investigado no caso das supostas candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, concordou em abarcar na sua pasta a Secretaria Especial de Cultura. Ao fazer a mudança, o presidente Jair Bolsonaro, que no início de seu governo extinguiu o Ministério da Cultura e impõe uma agenda conservadora, determinou que a área tenha autonomia.