A cerca de 100 km de João Pessoa, a pequena cidade de Ingá abriga o primeiro monumento de arte rupestre protegido no Brasil, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde maio de 1944.
As chamadas Itacoatiaras do rio Ingá —itacoatiaras, do tupi, quer dizer escrita ou desenho na pedra— são gravuras inscritas em baixo relevo em um rochedo situado à margem do rio, na Paraíba.
Mas as Itacoatiaras do rio Ingá trazem gravuras não figurativas. São padrões estéticos abstratos, como formatos geométricos. Trata-se do mais representativo conjunto conhecido desse tipo de gravura no Brasil, segundo o Iphan.
Enquanto o parque da Serra da Capivara, no Piauí, abriga o maior conjunto de pinturas rupestres do Brasil, as inscrições de Ingá são as mais importantes itacoatiaras do país. Diferentemente das pinturas, as itacoatiaras são gravuras rupestres, isto é, são inscritas na rocha em baixo relevo.
Além da precisão dos traços, a pedra do Ingá chama atenção pelo tamanho. O rochedo gravado possui 24 metros de largura por 3,80 metros de altura.
“A pedra do Ingá é a mais especial de todas pela profundidade do relevo [com até 9mm], pela largura do traço e pelo acabamento das bordas”, diz Dennis Mota Oliveira, pesquisador do Labap (Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade Estadual da Paraíba), que também atua como guia especializado para turistas que desejem conhecer melhor o sítio.
Devido ao fato de ficar na cabeceira de um rio, que banhou a pedra ao longo dos séculos, não há vestígios suficientes para fazer-se uma datação absoluta sobre quando as inscrições foram feitas.
Estima-se, no entanto, que elas possuam cerca de 6.000 anos e teriam sido feitas por ancestrais dos índios cariris, que habitavam a região.
Apesar de toda a importância e, mesmo sendo tombado há quase 80 anos, o local recebe pouca atenção por parte das autoridades. Segundo Oliveira, a falta de apoio dos órgãos competentes e de incentivos financeiros para pesquisa impedem que haja informações mais precisas sobre o monumento, inclusive no que diz respeito à datação.
A entrada ao sítio arqueológico se resume a um pequeno portão de ferro, sem pompa ou grande estrutura de recepção de turistas, a não ser por uma sala que funciona como museu. Por trás desse imóvel fica a pedra, que pode ser visitada livremente. Apenas uma fita impede o visitante de tocar nas gravuras. É permitido até subir no rochedo.
Procurado, o Iphan disse que vem desenvolvendo ações voltadas à preservação do sítio em conjunto com instituições públicas municipais e estaduais da Paraíba. “Foram executadas ações com foco no diagnóstico dos principais problemas no sítio”, diz, em nota.
O instituto disse também que o monumento “foi objeto de pesquisas sob os aspectos arqueológico, histórico, formal e técnico” e que “foram executadas, ainda, ações educativas no âmbito do Programa de Educação Patrimonial”.
Por fim, o Iphan informou que “está em fase de elaboração o projeto para implantação do Centro de Preservação e Conservação do Sítio Arqueológico Itacoatiaras do rio Ingá”.
Na falta de um melhor centro de recepção de visitantes, um local terminou se tornando um ponto de acolhimento não-oficial de turistas.
É o Memorial do Cuscuz e da Tapioca, criado em Ingá por uma empreendedora que enfrentou o machismo e a depressão para servir comidas no quintal de casa.
Maria Auxiliadora Mendes da Silva, a dona Lia, conta sua história com um sorriso de superação, como que indicando o tortuoso caminho que a levou de volta à sua cidade natal. Aos 19 anos, viu-se obrigada a fugir de Ingá. Apaixonara-se por um homem separado, e a ideia de uma moça casar com um desquitado jamais seria aceita por um pai conservador.
Deixou então sua Ingá rumo ao Recife, em 1975. O casamento porém não deu certo, em meio a gastos do marido com bebida.
Começou a fazer cuscuz e angu e, com ajuda do filho, vendia a comida na frente das obras do bairro da Imbiribeira, no Recife. Ao saber da doença da mãe, decidiu voltar com os filhos para a terra natal.
Perdeu os pais, e entrou em depressão. Foi quando aceitou o convite de uma vizinha para fazer um curso.
“Quando estava saindo de lá, senti uma coisa no coração. Me emociono só de lembrar”, relata Lia. “Olhei para minha amiga, disse que não ia voltar pra casa e resolvi fazer o curso.”
Organizou o quintal de casa para servir comida no terraço. O quintal, outrora um terreiro onde criava galinhas, deu lugar a uma mesa com uns banquinhos. Foi ali que começou a fazer cuscuz e tapioca para os clientes que chegavam.
Batizou o lugar como Lia Memorial do Cuscuz e da Tapioca. Por que Memorial? “Porque eu juntei a memória da minha avó por parte de pai, que fazia tapioca pra vender, e da minha avó por parte de mãe, que fazia cuscuz e angu para a gente comer em casa”.
Para fazer o cuscuz, Lia mói o milho em uma pedra que herdou da avó, que por sua vez já havia recebido o utensílio de gerações anteriores. O quintal onde acolhe os comensais agora tem um chão de tijolos, prateleiras com objetos de cozinha decorativos, duas mesas grandes e cadeiras confortáveis.
Se for para fazer um lanche mais rápido, basta bater à porta, pois dona Lia está sempre disposta a servir uma tapioca acompanhada de uma xícara de café e dois dedos de prosa.
Mas, se a ideia é comer algo mais completo, como uma galinha de capoeira com cuscuz, é preciso ligar antes para encomendar. Independentemente do que comer, vale a pena experimentar o doce de banana, que até como recheio da tapioca fica gostoso.
Entre os objetos que hoje decoram o quintal onde serve suas refeições, dona Lia faz questão de destacar uma fotografia, já meio amarelada, de uma mulher em um porta-retrato ovalado.
“É a minha vó, mãe da minha mãe. Teve um incêndio aqui e pegou fogo nas fotos todas… do meu pai, meu avô… só ficou ela. Meio queimadinho, assim, mas resistiu”.
Itacoatiaras do rio Ingá
Terças a sextas, das 9h às 16h; sábados e domingos, das 9h às 13h; fechado às segundas – Acesso pela rodovia PB-066 – Entrada gratuita
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