Em uma pátria chamada Plazil, um sujeito chamado Bráulio Garrazazuis Bestianelli elegeu-se presidente. Em um misto de ficção histórica e pornochanchada, a escritora mineira Bruna Kalil Othero mergulhou na história republicana do Brasil para construir o romance O presidente pornô (Companhia das Letras). A autora passou as últimas semanas em turnê para divulgar o livro e agora, em entrevista ao PublishNews, afirma que quer ocupar um espaço vazio na literatura brasileira contemporânea.
Para construir Bráulio, Bruna observou características de todos os homens que ocuparam o mais alto cargo de poder na história do país. Com bom humor e inventividade, ela então propôs uma reflexão do que constitui o Brasil. Repleto de referências que vão de Machado de Assis, Hilda Hilst e Nelson Rodrigues a memes da internet, O presidente pornô é o seu romance de estreia.
Já na infância, a autora de 27 anos tinha um “fetiche pelo livro”. Entre histórias de criança e sonetos que escrevia durante as aulas do Ensino Médio, até a escolha pelo curso de Letras no vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ela brinca que conseguiu construir uma carreira em torno de “saber mentir”.
A Academia e a Literatura
Bruna destaca o impacto da universidade em seu crescente interesse pela forma do texto, e coloca a graduação e o mestrado como momentos definitivos na sua trajetória no mundo dos livros. “Foi na faculdade de Letras da UFMG, onde fiz graduação e mestrado, que minha cabeça abriu e decidi que seria isso que faria pelo resto da vida”, comenta a escritora.
Atualmente doutoranda no Departamento de Português da Faculdade de Indiana, nos EUA, Bruna afirma que seus trabalhos paralelos se retroalimentam: “As coisas vão meio que se misturando, acho que a minha pesquisa acadêmica ajuda a escrever e a minha escrita ajuda a pesquisar”.
Ela define a literatura como um “jogo de xadrez que a desafia”. Na universidade, ela está em posição particular na sua busca por compreensões diferentes. “Estou tentando entender as origens e as raízes dos meus instintos. E aqui os instintos são da natureza. Tudo isso vira um estranhamento para os gringos, e aí preciso dar um passo atrás para poder explicar algo que é muito básico para nós. No começo, eu ficava muito desgastada com isso, mas fui pegando gosto e isso me ajuda a olhar o Brasil de outra forma”.
Bruna comenta ainda sobre o acesso a materiais e fontes de pesquisa no exterior, porque ao contrário do que se imagina, ela afirma ter mais facilidade para acessar novas fontes. “Fico dividida, porque será que eu queria que esses arquivos estivessem no Brasil pra queimar nos incêndios, ou eu prefiro que fiquem em outro lugar, mais bem cuidados? São muitos sentimentos contraditórios em ser imigrante”.
Transgressão de Pagu e a homenagem na FLIP
Figura central dentro da pesquisa da autora mineira nos EUA, Pagu apresentou um olhar transgressor e construiu um “projeto de ‘não-identidade’ brasileira”, descreve Bruna. “Enquanto os modernistas ficam pensando o que faz do Brasil o Brasil, o que é o povo brasileiro, o que é a arte brasileira, a Pagu fala que não existe Brasil. O que existe é um setor periférico dentro da luta de classes, que nós chamamos de país. Mas não existe país. Quem tem pátria é que tem patrimônio”.
Para a autora, a Flip tem esse ano a grande chance de homenagear Pagu da forma como a autora deve ser devidamente representada. “É uma excelente oportunidade de fato para colocar discussões necessárias, importantes e que furem a bolha da Academia. Eu como uma acadêmica, acho importante sair e ir para os eventos literários, que chegam ao público geral”.
Bruna não hesita em afirmar a importância e a relevância transgressora na obra de Pagu. “Na literatura contemporânea de 2023 não tem autores que falem o que a Pagu falou em 1933”. Em seu comentário, a autora se refere aos retratos de classe e de raça que a Pagu faz em sua obra, colocando como protagonistas mulheres com diferentes recortes: “Ela faz um recorte de classe, de gênero, de raça e de sexualidade para falar sobre opressões capitalistas, nos anos 1930, enquanto todo o romance de 30 era dos ‘regionalistas'”.
A prática da literatura
Bruna possui um site em que divulga seus trabalhos. Lá, além de um catálogo de produções, há diversos vídeos com performances. Na conversa com o PublishNews, ela afirma que, ao contrário de muitos colegas, não enxerga uma separação nas artes. “Não faz sentido ficar preso no papel. Tudo é literário”.
Romance se movimenta no terreno do fantástico
É justamente pensar a arte enquanto espaço para experimentação na forma que a motiva a escrever. Um dos seus temas são justamente as diversas “convenções” dentro do mundo dos livros e da literatura.
Para ela, a “confusão” causada pela experimentação faz parte de uma “literatura de gozo”, conceito do teórico francês Roland Barthes, no qual a literatura tem o objetivo de desconcertar o leitor, e colocá-lo longe de sua zona de conforto. Ainda que O presidente pornô ilustre e satirize elementos da realidade do cenário político brasileiro, não é a realidade que interessa à autora mineira. Para ela, “o dever dos artistas é criar o Brasil, porque o Brasil não existe”.
“O presidente é um livro que dialoga com a História do Brasil e, portanto, com a realidade. Mas ele é um livro fantástico e eu espero que ele leve gente para esse espaço muito livre da Literatura. Eu odiaria que alguém me dissesse que é igualzinho à vida real”, comenta. A autora enxerga um espaço ainda desocupado dentro da literatura contemporânea. “Na literatura contemporânea atual, eu vejo um espaço vazio, e é justamente nessa direção que quero ir”.