O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer cobrar mais R$ 20 bilhões da mineradora Vale pela concessão da Estrada de Ferro Carajás (EFC), que foi prorrogada até 2057 na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Se não houver acordo, a renovação do contrato pode ser cancelada.
Com 892 quilômetros de extensão, a ferrovia é responsável pelo escoamento do minério de ferro da Serra dos Carajás (PA) até o Porto de Itaqui (MA). Ela opera com trilhos em bitola larga e tem alta capacidade de transporte.
Para o governo Lula, houve erros no processo e os ativos foram subvalorizados. O contrato de concessão da Vale expirava originalmente em 2027, mas foi renovado antecipadamente por 30 anos.
Esse aditivo contratual foi assinado em dezembro de 2020 e teve participação ativa do então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), hoje governador de São Paulo e potencial adversário de Lula nas próximas eleições presidenciais.
Por isso, a querela que se abre agora também tem inevitavelmente um pano de fundo político, embora esteja fortemente baseada em argumentações técnicas levadas à mesa pelo atual ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB).
Renan Filho já recebeu aval do próprio Lula para fazer essa cobrança à Vale e vem atuando em coordenação com a Casa Civil. Segundo relatos, o ministro já disse à cúpula da mineradora que retomará a concessão da ferrovia e preparará uma nova licitação, caso não haja acordo sobre os valores.
Divergência multibilionária
O objetivo da discórdia gira em torno do pagamento de outorga da Vale à União. Para renovar por 30 anos sua concessão, a mineradora aceitou construir uma ferrovia de 383 quilômetros na região Centro-Oeste e um ramal ferroviário no litoral do Espírito Santo.
A conta foi feita baseando-se nas projeções de receitas até 2057 e em uma taxa de retorno do investimento — conhecida no jargão técnico como WACC — de 11,04% ao ano.
Considerando tudo isso, sobraram R$ 20,1 bilhões em pagamento de outorga. No entanto, foram descontados R$ 19,5 bilhões em investimentos não amortizados na Estrada de Ferro Carajás — a ferrovia foi duplicada na década passada. No encontro de contas, sobraram R$ 642 milhões para o governo.
O governo Lula não pretende mexer nas projeções de receitas, nem na taxa de retorno, mas quer incluir na conta esses R$ 19,5 bilhões e alega que não há justificativa para deduzi-los do valor de outorga pago à União.
Conforme afirmam auxiliares diretos do presidente, os investimentos poderão ser amortizados ao longo do próprio contrato de concessão e abatê-los da outorga seria um erro grave.
Por isso, a ordem agora é incluir esses valores no cálculo da outorga devida à União pelo contrato prorrogado até 2057.
“Se vocês não aceitarem, vamos retomar a concessão e licitar a ferrovia”, disse o ministro Renan Filho, em uma reunião no Palácio do Planalto na qual estava presente o CEO da Vale, Eduardo Bartolomeo.
Renan Filho confirmou o teor de tais afirmações. No caso de uma nova licitação, segundo ele, a Vale seria indenizada pelo governo porque não teria mais 30 anos para amortizar seus investimentos.
O ministro ressalta, porém, que nesse cenário o governo conseguiria um valor multibilionário de outorga em leilão da Estrada de Ferro Carajás — suficiente para bancar uma indenização de R$ 20,1 bilhões e ainda embolsar o restante, abrindo caminho para novas obras no setor.
Ele ressalta que a ferrovia é altamente rentável porque realiza praticamente todo o transporte de minério de ferro da maior jazida da Vale ao Porto de Itaqui, além de conectar-se com a Norte-Sul.
Os valores envolvidos nas conversas entre governo e Vale — como a cobrança adicional de R$ 19,5 bilhões — têm como data-base o ano de 2017 e ainda precisam ser corrigidos pela inflação do período.
O que diz a Vale
A Vale afirma que tem cumprido todos os compromissos assumidos com o Ministério da Infraestrutura e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que foram avalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Entre essas contrapartidas, lembrou a Vale, estão trilhos para a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), no interior da Bahia, e a construção dos 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mara Rosa (GO) e Água Boa (MT).
“A Vale assinou os contratos de renovação antecipada das ferrovias EFVM [Vitória-Minas] e EFC em 2020, após um longo processo de discussão iniciado em 2015 com a ANTT e Ministério de Infraestrutura, atual Ministério dos Transportes, conforme regulamentação da Lei 13.448/17”, disse a mineradora, em nota .
“Dezenas de audiências públicas foram realizadas para debater a renovação antecipada. Os processos também foram apreciados e aprovados por unanimidade pelo plenário do TCU”.
A Vale acrescentou, ainda, na nota, que está cumprindo com “todas as obrigações” decorrentes da renovação do contrato. “Inclusive entregou 100% do compromisso cruzado da Fiol (56 mil toneladas de trilhos e 32 mil toneladas de dormentes) e adquiriu os equipamentos necessários para expansão da oferta de trem de passageiros. As mais de 470 obras de mobilidade urbana e a obra da Fico seguem em implantação.”
O governador Tarcísio de Freitas — responsável pelas negociações para a prorrogação do contrato quando era ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro — preferiu não fazer comentários.
Outras ferrovias
Outras três concessões de ferrovias foram renovadas no governo Bolsonaro, por 30 anos, e também são alvo de Lula para ajustes no pagamento de outorga.
Da EFVM (Vitória-Minas), que pertence à Vale, e da MRS Logística, controlada por um “pool” de siderúrgicas e mineradoras, o governo atual quer mais R$ 10,6 bilhões. Da Malha Paulista, concessão detida pela Rumo, cobra R$ 670 milhões.
Do CNN