A Receita Federal suspendeu uma medida do governo anterior que ampliava a isenção de contribuições previdenciárias sobre a remuneração de pastores e líderes religiosos e livrava igrejas de dívidas milionárias. A decisão, assinada pelo chefe da Receita, Robinson Barreirinhas, foi publicada no Diário Oficial da União do dia 17 de janeiro de 2024.
Às vésperas da campanha eleitoral de 2022, o então secretário especial da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, publicou ato liberando as igrejas de recolher contribuições previdenciárias sobre as chamadas prebendas, um tipo de remuneração especial por meio da qual as igrejas pagam pastores e demais líderes. Elas não são consideradas “salários” – o ministro religioso em geral não tem vínculo empregatício com a instituição –, mas um tipo de pagamento “em face do mister religioso ou para subsistência”.
Apoio
Na época, o presidente Jair Bolsonaro buscava consolidar o apoio do segmento evangélico para sua tentativa de reeleição. Contudo, técnicos da Receita apontam que as prebendas acabaram se tornando um mecanismo para que as organizações religiosas não recolham contribuições previdenciárias e Imposto de Renda.
Além de liberar as contribuições, a decisão de Vieira Gomes, que tinha tom interpretativo da legislação, criou precedente para que as igrejas questionassem a cobrança de dívidas previdenciárias milionárias. Isso porque, quando o ato foi publicado, em 1.º de agosto de 2022, a Receita cobrava dívidas previdenciárias de diversas instituições religiosas que, no entendimento do Fisco, não faziam jus às isenções porque as prebendas vinham sendo usadas de forma inadequada, em substituição a salários.
No Ato Declaratório Executivo n.º 1, publicado ontem, Barreirinhas, indicado ao posto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, suspende a eficácia do mecanismo publicado pela gestão anterior.
Mudança
O novo regulamento altera a maneira como as organizações religiosas se relacionam com a Receita, e pode ter efeitos retroativos. “Com o ato declaratório anterior, provavelmente o contribuinte compareceu à Receita e pediu para (a dívida) ser anulada. Cancelando o (ato) de 2022, a Receita pode voltar a lançar? Pode, mas não aquilo que já ultrapassou cinco anos. O que era de 2016 não pode lançar mais. A existência daquele (ato) de 2022 tem grandes chances de ter causado prejuízo? Sim”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, Mauro Silva.
Joias
Julio Cesar Vieira Gomes é o mesmo servidor que, quando era chefe da Receita durante o governo Bolsonaro, atuou pessoalmente para pressionar funcionários do órgão para que liberassem um conjunto de joias enviadas pela Arábia Saudita ao então presidente da República.
A entrada dos itens no País com uma comitiva oficial do governo foi barrada por servidores da Receita em outubro de 2021, como revelou o Estadão. Com a derrota nas eleições de 2022, o então presidente mobilizou aliados para que eles resgatassem os itens de valor apreendidos a fim de que os objetos fossem incorporados ao acervo pessoal de Bolsonaro de forma irregular.
Vieira Gomes foi exonerado no fim de maio de 2023, após obter decisão judicial favorável. Ele havia pedido o desligamento em abril, mas a atual gestão da Receita barrou a saída alegando ser necessário aguardar a conclusão de procedimento investigatório aberto contra ele na ControladoriaGeral da União (CGU).
• Prebendas
Na maior parte das igrejas cristãs, o ministro religioso (padre, pastor) não é considerado um empregado. É um autônomo que presta serviços à instituição, e essa condição foi confirmada em lei no ano passado, como uma alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A remuneração nesses casos não é chamada de salário, mas de prebenda ou côngrua
• Anulação
O ato de agora do secretário especial da Receita, Robinson Barreirinhas, anula disposição emitida em agosto de 2022. À época, o governo Bolsonaro declarou que as prebendas não eram consideradas remuneração direta ou indireta. Com isso, assegurou que ministros religiosos deveriam ser tratados como contribuintes individuais da Previdência. O ato foi assinado pelo ex-secretário da Receita Julio Cesar Vieira Gomes
• Alteração
Como a Receita vinha cobrando dívidas previdenciárias vultosas de muitas igrejas, a alteração lhes trouxe alívio, porque parte das cobranças poderia ser contestada. O ato publicado esta semana muda esse cenário