Referência pedagógica, de inclusão social, agregadora de arte e cultura, símbolo de resistência e maior veículo de divulgação da língua portuguesa no mundo, a capoeira é a protagonista e grande anfitriã do 5º Rede Capoeira, que ocorrerá de 23 a 27 de janeiro, em Salvador. Com realização da Mandinga – Associação Integrada de Educação, Arte, Esporte e Cultura, o evento dedica seu olhar e convida à reflexão sobre os caminhos árduos desbravados pelos mais antigos mestres de capoeira brasileiros, em contraste com a posição frágil e desfavorecida que ocupam na memória e cultura do país.
O Rede Capoeira trará para Salvador 15 mestres de capoeira com mais de 80 anos de idade que permanecem em exercício da profissão, alguns deles morando fora do país devido à dificuldade de ter sua arte reconhecida e respeitada no Brasil. É o caso de Mestre Acordeón (Salvador-BA), 80 anos, que vive no Novo México, e João Grande (Itagi-BA), com 91 anos, residente em Nova Iorque, um dos maiores divulgadores da capoeira no mundo. João Grande é doutor pela Universidade de Boston – mesmo sem falar inglês -, e merecedor de homenagem da política norte-americana Hillary Clinton durante seu mandato como senadora (2001 a 2009).
“Nossos mestres de capoeira octogenários são detentores de um conhecimento que é só deles. São história viva, donos da vivência e sabedoria de quem divulgou a cultura afro-brasileira no mundo, dando continuidade à propagação da capoeira a partir dos anos 60, abrindo caminhos para os que vieram depois. Responsáveis pela internacionalização da capoeira, vivem sem o amparo social de seu país, como mais um reflexo do racismo estrutural que limita o reconhecimento da capoeira como esporte no Brasil”, aponta Mestre Sabiá, idealizador e coordenador do Rede Capoeira desde a sua primeira edição.
O convite do 4º Rede Capoeira é de reflexão e ação para que a Bahia e o Brasil encerrem um ciclo extremamente duro, cruel, preconceituoso e racista com os grandes e antigos mestres de capoeira brasileiros. “Eles são heróis populares esquecidos na memória, vítimas do preconceito contra a capoeira. Isso se reflete na exclusão da capoeira como modalidade pedagógica, cultural e esportiva nas escolas públicas do Brasil, da Bahia e de Salvador, cidade de maioria negra, que tem na capoeira uma ferramenta poderosa de identidade e empoderamento racial. A capoeira está presente em escolas públicas de outros países, como em Nova Iorque, na Ascend Charter Schollem, onde faz parte do currículo escolar”, destaca Mestre Sabiá.
Com fóruns, palestras, atividades culturais, oficinas e a realização da etapa final dos jogos internacionais de capoeira, o Estação Paranauê, a quarta edição do Rede Capoeira destinará também uma premiação em quantia financeira para os 15 mestres de capoeira octogenários (um deles já nonagenário) numa cerimônia de reconhecimento pelos serviços prestados à cultura brasileira. A intenção é reunir personalidades e autoridades políticas do país.
“A honraria é um ritual, a quantia é um prêmio simbólico de reconhecimento pelo serviço prestado à nossa cultura. O evento busca chamar atenção para o tema, mas o que buscamos com o Rede Capoeira é provocar uma reflexão e atuar na construção de um novo olhar consciente e responsável, capaz de interromper o ciclo de exclusão sofrido pela capoeira e seus mestres no Brasil. Sobretudo em um momento em que o mundo está tão desesperançoso e espiritualmente frágil, a capoeira se potencializa pela sua vocação de exercitar a ancestralidade, nutrindo a fé em algo maior e tornando as pessoas mais resilientes, sociáveis e tolerantes”, reforça Mestre Sabiá. Mestre Sabiá – Mestre Sabiá é soteropolitano, tem 51 anos e atua no universo da capoeira desde que começou a ministrar aulas em 1989 e, em 1999, criou o projeto social Mandinga, em Salvador, para atender crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Mais de 6.000 alunos já passaram pelo projeto, tornando-o um dos primeiros 10 pontos de cultura do Brasil durante a gestão dos ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira.
Mestre Sabiá, por meio do Projeto Mandinga, foi responsável por trazer para o Brasil manifestações da diáspora africana, como a Ladja (Martinica), Bassula (Angola) e Moringue (ilha de Reunion). Ele representou o país no evento “Olhos Cruzados” na sede da UNESCO e criou, em 2018, o movimento mundial de valorização e reconhecimento “Maior é Deus, Grande é João”, que arrecadou $75.000 para Mestre João Grande. Desde 1990, Mestre Sabiá é contratado para ministrar cursos pelo mundo, já tendo visitado mais de 40 países, onde participou de workshops, shows, palestras e pesquisas, sempre divulgando e defendendo a capoeira como uma expressão singular e autêntica da cultura brasileira