Foi avistando um vinil cor-de-rosa de Verde, Anil, Amarelo, Cor-deRosa e Carvão, de Marisa Monte, em uma feira de antiguidades, que o cineasta Henrique Filho, o Hencafil, de 35 anos, decidiu: era a hora de colecionar LPs. Ele hoje é dono de um estoque invejável de cerca de 350 discos – e de uma página no TikTok para falar do assunto, a Vinil do Hencafil.
Pesquisando a origem do tal disco rosa, o cineasta se deparou com o Noize Record Club. Primeiro clube de vinil da América Latina, o Noize nasceu a partir de uma revista de mesmo nome, fundada em 2007. A ideia é enviar aos assinantes uma edição exclusiva por mês e uma revista sobre o cantor e a obra escolhida.
A curadoria vai de artistas nacionais já renomados a algumas descobertas. Hoje, o clube já soma 10 anos e cerca de 9 mil assinantes, segundo o diretor do projeto, Rafael Rocha.
O desejo pelo vinil, de clubes ou avulsos, teve um enorme aumento no último ano. Segundo uma pesquisa da Pro-Música Brasil, filiada à Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o faturamento no setor cresceu 136% no ano passado em relação 2022.
A comunicadora e pesquisadora Lina Andreosi, de 27 anos, é assinante do clube Noize desde 2019. À época, ela foi atraída pelo lançamento do disco Sobrou Dúvida, da banda Boogarins. “Foi o ano em que comecei a colecionar discos e a entrar com mais profundidade na música brasileira”, comenta.
Para Lina, pegar um disco significa o privilégio de ter algo físico em uma época em que “tudo está digital, no celular”. “Eu acho que a experiência do vinil é a que mais se assimila à experiência de ir a um show.”
Hencafil concorda: o vinil, entende o cineasta, é uma maneira de ficar mais próximo de um artista. “É como se esse artista fizesse parte da sua vida através daquelas capas icônicas e da música, que é o que mais importa nesse caso.”
“O vinil materializa a música como nada o faz hoje”, avalia Rocha. Para ele, é preciso ter um envolvimento físico com o que se ama – no caso, a música. Os shows e os discos ocupam esse lugar.
A assinatura da atriz, DJ e curadora musical Thais Rodrigues, de 30 anos, é recente: ela entrou para o clube em novembro e recebeu 4, o último disco de estúdio da banda Los Hermanos, como seu primeiro vinil da Noize. “Não tive a oportunidade de nascer em um berço onde a música popular brasileira era trabalhada, sou mais da internacional. É um grande resgate. Acho que não há maneira melhor de viver a música brasileira do que como os meus avós e bisavós faziam”, diz.
INVESTIMENTO. O aumento da procura e a dificuldade de se produzir discos faz com que o vinil, especialmente no Brasil, não seja tão acessível. “Não tem como colocar vinil em uma categoria que não a de um investimento”, diz Lina.
A assinatura de um dos clubes de vinil disponíveis custa cerca de R$ 100. O valor, porém, chega a ser baixo se comparado a alguns discos novos e lacrados vendidos em sites ou lojas especializadas. Em bom estado, um vinil pode ultrapassar R$ 1 mil.
Até as edições exclusivas dos clubes podem supervalorizar após esgotarem. Assinante também do Clube do Vinil da gravadora Universal Music, Hencafil dá como exemplo Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo, de Cássia Eller.
O cineasta recebeu uma edição limitada translúcida do disco por meio do clube da gravadora – a assinatura custa R$ 129,90 por mês. Agora, segundo ele, o mesmo disco é vendido por assinantes ou lojas especializadas por mais de R$ 500. “Acho um absurdo. Daria para cobrar menos”, diz Rocha. “Precisamos fazer com que não seja tão elitista. Já é tão caro ter tudo em volta.”
BANCAS. O interesse de novas gerações pelo vinil também fica evidente nas lojas e bancas dedicadas ao produto – muitas delas recentes. Na Banca DuChamp, os jovens que iniciam suas coleções são a maioria dos clientes. “Das pessoas que vêm aqui, 90% têm menos de 35 anos. Já fiquei impressionado com a quantidade de meninas de 25 anos que chegam pedindo disco de heavy metal. Já vendi mais AC/DC para essas garotas do que para quem a gente pensa ser metaleiro”, diz o proprietário Leandro Amaral.
Arquiteto, Amaral, um sujeito simpático, de chapéu panamá, sonhava em ter uma loja de vinil. Colecionador desde 1977, ele já dispunha de uma boa coleção. Aos poucos, acabou adquirindo mais discos de uma amiga. E encontrou um espaço na rua de sua casa – na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, próximo ao cruzamento com a Rua 13 de Maio.
Entre bares e academias, uma antiga banca de jornal há muito fechada se transformou na sua loja de discos – em pouco mais de cinco metros quadrados, ele dispõe de quase mil bolachas, como os discos de vinil são apelidados.
Ednaldo Leite, vendedor de rua na Avenida Paulista, também nota a alta nas vendas de discos de vinil. Apelidado de “Billy Jackson da Paulista”, pela admiração por Michael Jackson, ele diz que seu público é composto basicamente por jovens. “Eles buscam as músicas antigas”, diz. “O que mais sai é MPB, pop e samba, sem dúvida. Às vezes a ordem se inverte, mas na maior parte dos meses é assim.”
Para José Roberto, o “Jotha”, um dos expositores das “pedras do Homs”, clube também instalado na Paulista, a música popular brasileira tem boa saída, mas “os clássicos do rock e do rock nacional sempre saem”. A sazonalidade das buscas de discos também flutua de acordo com as notícias em torno dos artistas. Com a morte de Gal Costa, por exemplo, Jotha chegou a vender nove LPs em um mesmo dia.
Com 129 mil discos à venda, Rubens de Oliveira deu início ao negócio adquirindo grandes lotes de álbuns de antigas emissoras de rádio que se desfaziam dos acervos. Ao contrário de outros comerciantes, Oliveira não mantém uma coleção pessoal. A música, explica ele, é um investimento.
Além da venda na Paulista, ele administra um galpão e outra loja. E ainda explora o comércio eletrônico na venda dos LPs. Nos fins de semana, junto à sua esposa Ida, ele expõe cerca de 4 mil álbuns no passeio público. Seu diferencial é, segundo ele mesmo, vender qualquer título a um valor extremamente acessível: R$ 20.
Devido aos preços mais populares, os colecionadores mais novos dão preferência ao quiosque de Oliveira, que chega a vender 500 discos nos dois dias em que fica na rua. “Aquele que está começando sua coleção, que comprou sua primeira vitrola, compra discos normalmente de MPB, pop, rock… Os essenciais.”
QUEM FAZ? Dono de uma fábrica de discos de vinil no Bom Retiro, Michel Nath começou a estudar música com 14 anos, na antiga Universidade Livre de Música (ULM), quando Tom Jobim ainda atuava como reitor da instituição. “Cresci estudando com gente do perfil musical mais diverso possível: do clássico ao pop. Não tenho muita distinção entre música erudita e popular”, comenta.
O DJ iniciou a fábrica de discos de Vinil Brasil quando um conhecido descobriu, em um ferro-velho, oito prensas de vinil antigas. “A Vinil Brasil teve dois milagres: o primeiro foi encontrar as prensas no ferro velho e o segundo foi encontrar a melhor sala de corte de matriz de disco de vinil que já existiu no Brasil”, conta Nath.
Para ele, a geração mais jovem enfim descobriu o encanto da mídia física. “A geração Z (pessoas nascidas aproximadamente entre 1997 e 2012) está entendendo que isso é atemporal . Você tem a música na sua mão, é tangível.” De 2023 até junho de 2024, a fábrica viu sua produção aumentar em pelo menos 15%. Ele reforça o cenário positivo de vendas e de fabricação, mas destaca a alta taxação para a importação de insumos e de matéria-prima, além dos gastos elevados com tecnologia. “É uma loucura”, afirma. “Eu faço isso porque eu realmente amo música.”