O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou mudanças no orçamento secreto e na chamada “emenda Pix”, mecanismos por meio dos quais congressistas repassam recursos públicos para prefeituras e Estados sem transparência. Dino assinou dois despachos, um em caráter liminar. No caso do orçamento secreto, impôs a centralização de dados sobre indicação e destinação de emendas parlamentares que usem o dispositivo. Sobre a emenda Pix, a decisão é para que governo e Congresso deem total publicidade às transferências, com fiscalização pelo Tribunal de Contas da União e pela Controladoria-Geral da União. O orçamento secreto e a emenda Pix, revelados por reportagens do Estadão, somaram R$ 67 bilhões até o momento.
Dino viu “insuficiência dos instrumentos de planejamento” e “inadequação de mecanismos de controle e transparência” das emendas Pix. Segundo o ministro, há risco de “danos irreparáveis” ao poder público e à ordem constitucional caso as transferências sigam ocorrendo sem mecanismos que assegurem a transparência e a rastreabilidade dos dados.
Emenda Pix é o apelido dado às emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento da União, sem indicação de destino. O magistrado deu 90 dias para que a Controladoria-Geral da União faça a auditoria de todos os repasses dessas emendas feitos entre 2020 e 2024 em benefícios de organizações não governamentais. O órgão também terá de realizar uma auditoria da “aplicação, economicidade e efetividade” das transferências especiais em execução neste ano.
A decisão foi dada ontem, em uma ação ajuizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A entidade alega que a transferência direta de recursos públicos, sem necessidade de vinculação a projetos ou atividades específicas – a principal característica das emendas Pix – viola os princípios da publicidade, da moralidade, da eficiência e da legalidade na administração pública, além de cláusulas pétreas da Constituição.
O despacho saiu logo após Dino finalizar uma audiência de conciliação para “efetivo cumprimento” da decisão do STF que derrubou o orçamento secreto. A ação sobre as emendas Pix foi distribuída ao gabinete do magistrado em razão de ele ser o relator do orçamento secreto na Corte.
Ao analisar o caso, o ministro entendeu que era o caso de deferir uma liminar – decisão dada em casos urgentes – para “impedir a continuidade de caminhos incompatíveis com a Constituição”. Além de estabelecer a transparência das transferências especiais e submetêlas a uma auditoria da CGU, Dino estabeleceu critérios para a efetivação dos repasses.
Vinculação
O ministro frisou, por exemplo, que a destinação das transferências especiais deve ter “absoluta vinculação federativa”. Isso significa que um parlamentar só poderá indicar as emendas Pix para o Estado pelo qual foi eleito, “salvo projeto de âmbito nacional cuja execução ultrapasse os limites territoriais do Estado do parlamentar”.
Além disso, foi estabelecido que os beneficiados por emendas Pix devem, antes de receberem os repasses, declarar ao governo informações como a finalidade dos gastos, plano de trabalho, estimativa de recursos para a execução, prazo e classificação orçamentária da despesa. Só com esses dados em mãos o governo poderá liberar os recursos, após os destinatários das emendas cumprirem a obrigação. Já as emendas Pix na área da Saúde só poderão ser executadas com um parecer prévio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dino ainda determinou que os valores das emendas Pix devem ser administrados a partir de uma conta exclusiva, a ser aberta por Estados e municípios, de modo a garantir a transparência e a rastreabilidade do dinheiro e permitir a fiscalização orçamentária.
A audiência presidida pelo ministro na manhã de ontem sobre o orçamento secreto terminou com um consenso acerca da centralização das informações sobre a indicação e a destinação das emendas parlamentares que usam o orçamento secreto.
A audiência foi convocada por Dino em razão de notícias de que o mecanismo criado no governo Jair Bolsonaro (PL) foi mantido no governo Lula, contrariado decisão do STF. “A primeira questão é: houve cumprimento desta determinação do pleno do Supremo, no que se refere aos anos de 2020 a 2022? A segunda: os restos a pagar das emendas de relator, de 2023 e 2024, estão atendendo a este comando? O terceiro ponto: houve a identificação de que uma parte, uma parcela, ou todas as verbas antes classificadas como RP-9, podem ter migrado para as emendas de comissão, a RP8, no corrente exercício de 2024”, disse Dino.
Criado no governo passado, o orçamento secreto consistiu no uso das emendas de relator para que congressistas mandassem recursos para cidades onde têm votos, sem transparência sobre qual parlamentar apadrinhou qual verba.
Dino frisou que as informações sobre as emendas de relator “precisam ser concentradas em um lugar só, de modo acessível, de forma a atender à Constituição”. O diretor do Movimento Democrático de Combate à Corrupção Eleitoral, Melillo Dinis, participou da audiência como observador e afirmou que houve um pacto para que os Poderes construam um painel de informações de modo a evitar o mecanismo do orçamento secreto.
Foi marcada reunião para que servidores do Executivo, da Câmara e do Senado, junto de representantes do STF, verifiquem as maneiras de apresentar as informações que ainda não estão públicas.