Dirigentes de universidades e entidades da área de educação demonstram preocupação com políticas de auxílio para estudantes de baixa renda e o bloqueio de recursos que seriam destinados aos alunos do Ensino Superior. O alerta vem no momento em que o ministro da Educação, Camilo Santana, define as bases do programa Pé-de-Meia Universitário, que prevê a partir de 2025 um saque mensal aos alunos do ensino superior e o resgate de uma poupança após a conclusão do curso.
Em contraste com a promessa, profissionais da área relatam interrupção de ações próprias de universidades para manter os alunos na sala de aula. Os pagamentos começaram a ser comprometidos no final de julho, após o governo bloquear R$ 1,37 bilhão do Ministério da Educação para cumprir as regras fiscais, em um congelamento geral do governo de R$ 15 bilhões. Em setembro, R$ 1,7 bilhão foi liberado, mas a área da educação não foi beneficiada.
Suspensão de editais
O Instituto Federal de Brasília, por exemplo, suspendeu novos editais de auxílios socioeconômicos em diferentes campi por falta de recursos. Segundo a instituição, “não foi possível continuar com a oferta de novos editais”. Mas, se houver “o descongelamento, novas convocações podem ser realizadas e mais alunos poderão ser contemplados”.
Segundo representantes Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), todas as instituições federais foram afetadas. Na prática, as universidades não podem realizar mais nenhum empenho e, consequentemente, pagamentos, até o desbloqueio.
“As políticas de assistência estudantil são diretamente afetadas com essas medidas, incluídas aqui bolsas e restaurantes universitários”, diz nota da UFMA. “Só nessa última ação de limitação orçamentária pelo governo, a UFMA teve aproximadamente R$ 24 milhões bloqueados, incluindo recursos específicos da assistência estudantil que seriam utilizados para o pagamento das despesas até o fim do ano”
Os profissionais de educação também cobram o reforço da Política Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Com a Pnaes, que não teve recursos congelados, o MEC injeta recursos para a assistência em programas de moradia, alimentação, transporte, inclusão digital e apoio pedagógico aos estudantes mais vulneráveis. Essa política, porém, não é considerada suficiente por integrantes da comunidade acadêmica.
Segundo o MEC, o programa irá distribuir R$ 1,27 bilhão até o final de 2024. O valor que cada instituição receberá, contudo, ainda é indefinido.
“A definição dos valores a serem repassados às instituições de ensino se dará a partir da análise de sua execução orçamentária nos últimos anos, mas dependerá de novas regulamentações que definirão os critérios de distribuição”, informou a pasta, em nota.
Criado em 2010, o programa foi atualizado e ampliado neste ano. A nova lei, sancionada em julho por Lula, prevê que as universidades federais receberão recursos para assistência estudantil no mínimo proporcionais ao número de estudantes cotistas admitidos em cada instituição. A regulação também mudou o nome de “plano” para “política”.
De acordo com o Painel do Orçamento Federal, o valor empenhado pelo MEC para a execução do programa em 2024 foi de R$ 917,5 milhões. Em 2023, o montante foi de R$ 862,5 milhões, e em 2022, R$ 595,7 milhões.
— Durante o último governo, o Pnaes não teve aumento. Na verdade, chegou a ter uma redução. No governo atual, ele voltou a ter aumento, mas são números pequenos e o recurso é insuficiente. Todas as universidades têm nos sinalizado necessidades, mas as do Norte e Nordeste são as que mais precisam de melhorias nos aportes — diz o coordenador nacional do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace) da Andifes, Sandro Ferreira. — A universidade se popularizou, a quantidade de alunos que demanda (os auxílios) aumentou, mas o Plano Nacional de Assistência Estudantil não acompanha. Há estudantes que ficam de fora.
Pé-de-meia
Cerca de dois meses após o bloqueio orçamentário, o ministro da Educação anunciou uma nova política de assistência em entrevista ao GLOBO. Após o Pé-de-Meia para o Ensino Médio, o MEC se prepara para lançar no próximo ano o pagamento de um valor mensal e mais uma poupança para resgate na conclusão do curso no nível superior, em uma estratégia para incentivar a permanência de alunos e diminuir a evasão.
Este já é o modelo do programa voltado para estudantes do ensino médio, que prevê parcelas mensais de R$ 200 para alunos de baixa renda, além de um depósito de R$ 1 mil após a conclusão de cada ano letivo, a depender do número de faltas e aprovação.
Segundo o fórum de assuntos comunitários da Andifes, a ideia para o ensino superior não foi debatida com as universidades. Apesar de a entidade não ter críticas ao novo anúncio do ministro, o coordenador afirma que “seria melhor” se o MEC aumentasse o orçamento do Pnaes no lugar de lançar um novo programa — dessa forma, o recurso é encaminhado para as universidades e elas decidem de que forma distribuir o valor entre os auxílios.
— A melhor estratégia para a gente é a descentralização dos recursos. O Pé-de-Meia é um conceito interessante, mas no atual momento seria melhor que o recurso da Pnaes fosse reforçada — diz Sandro Ferreira.
A diretora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) Clarissa Rodrigues vê o anúncio como uma forma de “tentar maquiar” os reais problemas das universidades.
Na avaliação da representante, a única solução é fortalecer o orçamento da Pnaes e regulamentar a nova política de assistência estudantil aprovada no Congresso e sancionada por Lula em julho, que ainda não foi colocada em prática.
— Nós tivemos dois bloqueios deste ano que afetaram diretamente a educação. Deveria haver um fluxo contínuo (nas bolsas) e isso não está acontecendo. Há algumas situações de atraso. Temos uma questão grave de evasão e não é o Pé-de-Meia que resolveria — declara Rodrigues.
De O Globo