A luta pela educação para os povos indígenas que valorize a cultura e os saberes ancestrais é uma semente que está prestes a germinar no território Arariboia, no Maranhão.
O povo tenetehar/guajajara elaborou um modelo de ensino inédito após consultas públicas no território. Por meio de articulação do Instituto Tukan, organização indígena local, a ideia ganhou força com a parceria do governo do estado.
Silvio Guajajara, cacique e presidente do Instituto Tukan, destaca que a iniciativa pretende unir os conhecimentos técnicos com os saberes indígenas. Dessa forma, diz ele, os jovens poderão se qualificar profissionalmente e, ao mesmo tempo, preservar a memória do povo.
“A ideia do Centro de Saberes Tenetehar é uma luta bem antiga, uma necessidade muito grande para o nosso povo, que deve fortalecer as nossas festas tradicionais, a cultura, a crença, a língua e a vivência no território”, declarou.
“Na cidade, os indígenas sofrem preconceito e discriminação”, acrescentou o cacique. “Muitos jovens aqui da nossa terra que foram estudar fora, nós os perdemos para o alcoolismo, prostituição e drogas. E isso foi um dos fatores mais preocupantes.”

O programa de ensino intitulado de Universidade Indígena foi construído como uma demanda do povo tenetehar, e agora com a colaboração do governo estadual poderá ser replicado, de acordo com Gustavo Pereira da Costa, coordenador do projeto acadêmico da iniciativa.
“Vai ser um programa que reúne as universidades que já existem. Nós já tínhamos apresentado a proposta de não criarmos uma instituição nova, até porque o Maranhão tem vários territórios. Então pensamos em uma política pública consistente de oferta de ensino superior fora das cotas”, disse.
Com o fim das consultas públicas, a última realizada entre os dias 30 e 31 de julho, o governo determinou um prazo de 90 dias para o início das atividades do programa, incluindo a construção do Centro de Saberes, informou Pereira da Costa.
Ainda segundo o coordenador do projeto, a estrutura arquitetônica terá a forma de um cocar, visto de cima, proposta feita pelos indígenas. O primeiro semestre de 2026, estima o governo, seria voltado para o lançamento de editais, aprovação de cursos e outros processos administrativos. Já o segundo semestre do ano que vem, a expectativa é receber as primeiras turmas.
“Todos os cursos serão bilíngues, nos idiomas tenetehar e português. Estamos na fase final de discussão do PDI [plano de desenvolvimento institucional], que é a espinha do programa, a sua concepção, as diretrizes de funcionamento, e uma projeção de cursos”, detalhou.
A Fapema (Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão), ligada ao governo, promoveu as escutas públicas junto ao Instituto Tukan. Os encontros definiram que os primeiros cursos devem fortalecer a proteção territorial e a cultura, como áreas voltadas para a linguística e gestão ambiental.

“É um plano inédito no Brasil, e talvez até no mundo, de uma universidade indígena saindo do diálogo com a comunidade. Esse povo faz ciência muitos anos antes da gente. O indígena é um cientista que respeita o meio ambiente”, frisou Nordman Wall, presidente da Fapema.
Agora, Beatriz vai ver seu filho de 18 anos se formar no ensino superior. O jovem chegou a sair da aldeia para tentar estudar fora, mas não conseguiu se manter na cidade. A mãe também espera ver a educação de base melhorar no território.

Silvio Guajajara, cacique e presidente do Instituto Tukan, discursa durante 4ª escuta pública sobre a universidade indígena – Rubenilson Costa/Fapema/Divulgação
“A gente está tendo a oportunidade de discutir realmente uma educação específica diferenciada. Em relação à juventude, é algo importante que vem para o território, que não tem uma oportunidade de estudar fora. Será fundamental para o fortalecimento da educação escolar indígena”, disse.
“O preconceito tá ali, a gente reconhece pelo olhar, pela fala. E isso desanima. Às vezes, pensei em desistir. Mas a gente se fortaleceu. Porque era um grupo de indígenas que precisava realmente de uma formação, para fortalecer o ensino dentro da comunidade”, afirmou a diretora pedagógica.
Jorge Abreu
*O repórter viajou a convite da Fapema (Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão)