RIO – A Delegacia de Homicídios (DH) da Capital e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) prenderam na manhã desta terça-feira (12) o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz por envolvimento no asssassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada pelo juiz substituto do 4º Tribunal do Júri Gustavo Kalil, após denúncia da promotoria. Segundo a denúncia do MP do Rio, Lessa teria atirado nas vítimas, e Elcio era quem dirigia o Cobalt prata usado na emboscada. O segundo acusado foi expulso da corporação.
Segundo a denúncia das promotoras Simone Sibilio e Leticia Emile, o crime foi “meticulosamente” planejado três meses antes do atentado. Além das prisões, a operação realiza mandados de busca e apreensão nos endereços dos denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munições e outros objetos. Lessa e Elcio foram denunciados pelo assassinato e a tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora da vereadora que sobreviveu ao ataque. A ação foi batizada de Operação Buraco do Lume, em referência ao local no Centro de mesmo nome, na Rua São José, onde Marielle prestava contas à população sobre medidas tomadas em seu mandato. Ali ela desenvolvia também o projeto Lume Feminista. Os denunciados foram presos às 4h desta madrugada.
As promotoras pedem ainda a suspensão da remuneração e do porte de arma de fogo de Lessa. Também foi requerida a indenização por danos morais aos familiares das vítimas e a fixação de pensão em favor do filho menor do motorista Anderson até completar 24 anos de idade. Em certo trecho da denúncia, elas ressaltaram: “É inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia. A barbárie praticada na noite de 14 de março de 2018 foi um golpe ao Estado Democrático de Direito”.
Junto com os pedidos de prisão e de busca e apreensão, o GAECO/MPRJ pediu a suspensão da remuneração e do porte de arma de fogo de Lessa. Também foi requerida a indenização por danos morais aos familiares das vítimas e a fixação de pensão em favor do filho menor de Anderson até completar 24 anos de idade.
Suspeito acompanhava agenda de Marielle
A principal prova colhida pelos investigadores saiu da quebra do sigilo dos dados digitais do PM. Ao verificar os arquivos acessados por Lessa pelo celular, antes do crime, armazenados na “nuvem” (dados que ficam guardados em servidor externo e podem ser vistos remotamente), eles descobriram que o suspeito monitorava a agenda de eventos que Marielle participava. Para a polícia, é um indício de que a vereadora estava tendo seus passos rastreados. Marielle, segundo a investigação, participou de pelo menos uma das agendas pesquisadas pelo suspeito.
De acordo com uma fonte que investiga o caso, Lessa usava na época do crime um telefone “bucha” (comprado com o CPF de terceiros, para não ser rastreado). Já o aparelho registrado na operadora telefônica em nome do próprio sargento foi usado no dia do duplo assassinato por uma mulher em um bairro da Zona Sul. O objetivo do militar suspeito, segundo o investigador, foi o de confundir a polícia, caso os agentes fossem verificar as antenas de telefonia das estações de rádio-base (ERBS) para checar se o celular pessoal de Lessa estava no local do crime.
E foi exatamente o que os agentes fizeram. Para chegar ao celular “bucha” usado pelo PM no local do crime, os investigadores realmente tiveram que fazer o que eles chamam de triangulação de antenas, ou seja, levantar as ERBS da região do crime e traçar uma localização mais precisa, refinando assim as buscas pelo celular dos criminosos. O resultado deste levantamento dos telefones ligados na região onde a vereadora passou, da saída da Câmara dos Vereadores até o local da emboscada, no Estácio, gerou uma extensa lista. Era como achar uma agulha no palheiro.
Num exercício de paciência, de vários meses, os policiais da área de tecnologia da DH trabalharam na pesquisa, reduzindo os alvos, mas, ainda assim, o número era elevado. Apesar da complexidade, os investigadores, baseados numa imagem de câmaras de segurança da Rua dos Inválidos, no Centro, no dia 14 de março, registraram os horários em que um suposto celular aparece aceso dentro do Cobalt prata dos executores. O carro deles estava estacionado perto da Casa das Pretas, onde Marielle participava como mediadora de um debate.
Com o registro do horário que o possível aparelho estava em uso, a polícia fez uma nova triagem na lista de celulares já existente até descobrir que um destes telefones fez contato com uma pessoa relacionada à Lessa. Daí, a polícia partiu para buscar os dados na nuvem do policial.
A operação desta quarta, além de estar ancorada na interceptação dos dados digitais do suspeito, também se sustenta num trabalho de inteligência e de depoimentos de informantes, inclusive presos no sistema carcerário. Para não perder mais tempo, após quase 12 meses de investigação, polícia e o Ministério Público do Rio concordaram em desmembrar o inquérito em duas partes: uma, transformada em denúncia, identificando os atiradores. E outra, ainda em andamento, para chegar aos mandantes. O que os investigadores têm certeza é de que havia três pessoas dentro do veículo.
O atentado sofrido pelo PM reformado no dia 27 de abril, no mês seguinte aos homicídios da vereadora e do motorista, também chamou a atenção dos investigadores. Ele e um amigo bombeiro foram baleados no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Um homem de motocicleta teria abordado o carro onde viajavam, mas os dois reagiram e balearam o criminoso, que fugiu.
Na época, a Polícia Civil informou que não descartava nenhuma hipótese para o crime, mas que havia grande possibilidade de ter sido uma tentativa de assalto. Lessa, baleado, foi levado ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, mas teria deixado logo a unidade sem prestar esclarecimentos. Os investigadores apuram as circunstâncias do crime.
Não é a primeira vez que o nome do PM reformado aparece no noticiário. Em 2009, Lessa foi vítima de um atentado, em Bento Ribeiro, quando uma bomba explodiu dentro da Toyota Hillux blindada que dirigia. Ele escapou da morte, mas perdeu uma das pernas, sendo obrigado desde então a usar uma prótese.
Lessa era ‘ficha-limpa’
Ninguém jamais havia investigado Ronnie Lessa. Embora os corredores das delegacias conhecessem a fama do sargento reformado, de 48 anos, associada a crimes de mando pela eficiência no gatilho e pela frieza na ação, Lessa era até a operação desta quarta-feira um ficha limpa. Egresso dos quadros do Exército, foi incorporado à Polícia Militar do Rio em 1992, atuando principalmente no 9º BPM (Rocha Miranda), até virar adido da Polícia Civil, trabalhando na extinta Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (DRAE), com a mesma função da atual Desarme, na Delegacia de Repressão à Roubo de Cargas (DRFC) e na extinta Divisão de Capturas da Polinter Sul.
A experiência como adido foi o motor da carreira mercenária de Lessa. A prática de cessão de PMs para a Polícia Civil começou no início dos anos 2000, quando o Rio ainda enfrentava uma onda de sequestros irrompida na década anterior. A primeira leva, transferida para a Divisão Anti-Sequestro (DAS), forjou outros nomes que posteriormente fariam fama no mundo criminal, como o do sargento da reserva da PM Geraldo Antônio Pereira, o Pereira; e o sargento Marcos Vieira de Souza, o Falcon, ex-presidente da Portela, ambos já foram assassinados em 2016, em situações diversas.
A polícia e o Gaeco chegaram às 4h da manhã desta terça-feira, na casa dos investigados. O policial Lessa mora no condomínio de Vivendas da Barra, na Avenida Lúcio Costa, 3.100, por coincidência, o mesmo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). Não há, porém, nenhuma ligação, a não ser o fato de serem vizinhos. O PM mora num condomínio em frente ao mar, com seguranças na portaria.