Nascida na efervescente Goiânia, a Carne Doce é uma das bandas de maior ascensão na cena independente nos últimos anos. No sábado (6), o grupo se apresenta num dos maiores festivais de música de São Paulo: o Lollapalooza.
Com a autêntica Salma Jô à frente, o conjunto é completo com o guitarrista e marido de Salma, Macloys Aquino; o baixista Aderson Maia e João Victor Santana na guitarra e teclado. As composições viscerais dela complementam a sonoridade experimental, intricada e por vezes agressiva dos três, criando um som único que prende a atenção em nada além da música.
Hoje em seu terceiro álbum, “Tônus”, o grupo adota tom mais introspectivo, emocional, e banhado em sexualidade irrestrita. Mas até chegar aqui — no line up do Lollapalooza e numa posição de grande destaque na música brasileira independente —, a banda passou por algumas metamorfoses.
A frontwoman Salma Jô contou sobre os sentimentos que os acompanharam no processo, a visão do grupo sobre si próprio, e a expectativa para tocar no festival.
Como está a rotina de vocês? Estão em Goiás agora? Neste final de semana, vocês fazem show aqui em São Paulo.
Estamos em Goiânia. Moramos aqui. Vamos para São Paulo esta semana e ficaremos aí por uns dias até o show do Lolla, o que é raro de acontecer, pois geralmente vamos, tocamos e voltamos. Nossa rotina é de trabalho, produção, treino, ensaio, todo dia.
E a expectativa para o Lolla? Qual a diferença em tocar em grandes festivais, para um público maior, comparando com algo menor e mais nichado?
É em primeiro lugar um grande reconhecimento, e é também um grande desafio exatamente por isso, por poder tocar para um público numeroso que nos assistirá pela primeira vez, um público que terá grandes atrações pela frente, e tentar conquistá-lo e justificar nossa participação.
Principalmente depois do “Princesa” [segundo álbum da banda], a Carne Doce acabou atraindo um público mais militante. É uma pretensão de vocês serem artistas engajados politicamente ou é algo que acabou surgindo?
A nossa manifestação política como banda é discretíssima, quase nunca fizemos discurso político. Se você olhar para toda nossa obra, perceberá que ela não é militante. Temos 35 músicas gravadas e as duas letras que foram por alguns consideradas militantes, “Artemísia” e “Falo”, são retratos de personagens específicas, inspiradas em experiências próprias e coerentes com o meu estilo, mas que couberam nesse sentido banal de “lacração”, em que basta um lugar de fala poderoso.
A minha posição como frontwoman já é enaltecida como empoderamento, o simples fato de eu ser mulher e de escrever como tal é tido como empoderamento. Existe hoje uma performance de militância em que basta assumir uma estética e divulgar certos ídolos e slogans, e sinalizar uma afinidade ideológica, pra ser militante.
Eu acho mais provável que quem diz ter se atraído pela nossa militância, na verdade gostou da música, se emocionou e preferiu justificar esse gosto com algum motivo mais nobre.
E agora que rendeu essa imagem e público mais politizados, vocês sentem alguma pressão de corresponder às expectativas dessa galera?
Eu sinto a pressão de não corresponder às expectativas dessa galera. Não corresponder às expectativas de ninguém já um exercício difícil, mas natural, que a gente precisa fazer na composição para tentar buscar algo mais criativo, mais autêntico, menos forçado. Acho que eu faria músicas piores se pensasse em agradar um público específico.
A banda costuma falar sobre a carga psicológica de trabalhar como artista independente, tanto no quesito criativo como da própria sobrevivência. Vocês tem conseguido manejar melhor esses dilemas?
Sim, na verdade é um privilégio ter esse tipo de dilema, somos gratos.
O terceiro disco teve uma aura mais subjetiva, até menos política, mas também tratou muito sobre sexualidade. Como vocês discutem a temática predominante do álbum, é intencional?
Foi espontâneo, acabou que o corpo, a rejeição, a adoração, a auto-estima, o desejo, que eram temas que eu já tinha usado, ficaram mais fortes agora.
E qual é o motivo dessa virada mais introspectiva? Houve alguma diferença de recepção entre esses dois últimos álbuns?
Para continuar com o que temos de mais poético, para nos aprimorarmos na arte de emocionar. Senti menos dessa recepção por afinidade política, mas de todo modo os dois discos foram muito bem de público e crítica, e emocionaram as pessoas, e ficamos muito felizes com o resultado e em divulgar esses trabalhos.
No primeiro álbum, vocês traziam uma identidade bastante diferente no visual, os dois últimos trazem uma certa similaridade. Como vocês discutem e criam o visual pra vocês?
Nos três discos fui eu quem sugeriu as artes. Em geral, um pouco antes de gravarmos eu já começo a ficar atenta e a juntar referências que dialogam com o que estamos compondo. No final das contas até aqui teve uma unidade, as três capas são retratos de mulher e tem alguma dor.
Do Metro