RIO — A escolha da escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979) como homenageada da próxima Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) vem causando controvérsia entre escritores. Além da surpresa pela opção por uma escritora estrangeira (o que acontece pela primeira vez na história da Flip), autores lembraram o apoio de Bishop ao golpe militar de 1964 e comentários negativos e preconceituosos sobre o Brasil como motivos de incômodo pela decisão da curadoria.
A escolha de Bishop foi antecipada pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois em outubro e anunciada oficialmente pelo evento nesta segunda-feira. Procurada, a organização da Flip ainda não comentou as críticas. ( Relembre todos os escritores homenageados desde 2003 )
Influências : ‘Bishop não era uma escritora politizada’, diz tradutor da poeta americana
O poeta e ensaísta Antônio Carlos Secchin, da Academia Brasileira de Letras, destaca que Bishop, que viveu no país de 1951 a 1971 (com temporadas no Rio, em Petrópolis e em Ouro Preto), falava “mal de praticamente todos os brasileiros” e “reduziu a quase nada a poesia de Manuel Bandeira, além da de toda a América do Sul”.
– Ela só salvou o ( Pablo ) Neruda, mas fazendo ressalva de quando ele não era comunista – lembra Secchin, que também questiona o momento para a homenagem à escritora americana.
– Tenho a hipótese de que não houve critério político nenhum para a escolha dela, mas não me pareceu a adequada, até pelo quadro político atual, em que sabemos que a cultura e a literatura não estão entre as prioridades, para dizer pouco — afirmou o imortal.
“Manuel Bandeira é delicado e musical e tudo o mais — nada parece sólido ou realmente ‘criado’ — é tudo pessoal e tendendo para o frívolo. Um bom poema de Dylan Thomas vale mais do que toda a poesia sul-americana que já vi, com a exceção, possivelmente, de Pablo Neruda”
Secchin lembrou ainda nomes importantes da literatura nacional, como João Cabral de Mello Neto (cujo centenário será celebrado em 2020), Cecília Meireles, Jorge de Lima e Murilo Mendes, que não foram homenageados pela Flip.
— Não estou falando aqui em critérios nacionalistas obtusos. Mas, com um plantel de escritores que temos, considerando a obra e esses pontos de certa hostilidade à cultura brasileira ( por parte de Bishop ), é um posicionamento bastante estranho — completou Secchin.
Logo após o anúncio da escolha, o poeta e diplomata Felipe Fortuna foi um dos que começaram a publicar, numa rede social, trechos de textos de Bishop com críticas e visões negativas sobre o Brasil e artistas nacionais. Um deles aparece numa carta dela ao poeta americano Robert Lowell:
“Manuel Bandeira é delicado e musical e tudo o mais — nada parece sólido ou realmente ‘criado’ — é tudo pessoal e tendendo para o frívolo. Um bom poema de Dylan Thomas vale mais do que toda a poesia sul-americana que já vi, com a exceção, possivelmente, de Pablo Neruda”, diz Bishop no trecho.
“Foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva — tudo terminado em menos de 48 horas”
De outros escritos, como do livro “Brazil”, Fortuna destacou descrições preconceituosas feitas sobre o país. Num dos trechos, ela escreve: “Muitos talentos brasileiros genuínos parecem ir para a cama muito cedo — ou para as redes”. Em outro, diz: “De fato, a bananeira é um ótimo símbolo para o país e para o que aconteceu e continua a acontecer nele”.
Outro escrito muito compartilhado entre os críticos à escolha da poeta foi aquela em que ela, ainda em carta a Lowell, comenta o golpe militar de 1964:
“Foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva – tudo terminado em menos de 48 horas.”
Críticas nas redes
O escritor Marcelo Moutinho ressaltou ser admirador da obra da autora. Porém, lembrou que sua simpatia pelo regime militar está documentada em cartas, como algumas publicadas pela revista “Piauí”, em dá declarações sobre o golpe de 1964 como “A suspensão dos direitos, a cassação de boa parte do Congresso etc., isso tinha de ser feito”.
“Todas as pessoas têm o direito de errar, e de fazer suas próprias revisões. Não me filio a patrulhas eternas. Eu me pergunto, porém, se neste momento de loas efusivas à ditadura, e mesmo à tortura, não seria o caso de prestar tributo a quem tenha uma história de compromisso com a democracia sem maiores hesitações”, escreveu Moutinho.