Mauro Ferreira – O Globo
♪ “Vou lhes dizer / O que é arte e cultura / Não vai crescer nem capim / Sobre vossa sepultura”, dispara Zeca Baleiro nos versos que compõem a terceira e última estrofe da letra da marchinha Escória.
Cantada em coro, com breve (abafado) solo vocal de Baleiro, a música dá nome ao EP carnavalesco que o artista lança na próxima sexta-feira, 31 de janeiro.
Destaque do lote de composições autorais do disco, essa marchinha – de molde convencional sinalizado já pela disposição dos metais arranjados pelo trombonista Tiquinho – também dá o tom político do EP com que Baleiro reforça o bloco da oposição.
Baleiro se alimentou do noticiário recente para escrever letras antenadas com os ódios propagados no Brasil polarizado dos tempos atuais. Evocativo de sucesso do repertório punk da banda Titãs, Bichos escrotos nº 2 vocifera contra autoridades sem dar nome aos bois.
Parafraseando versos escritos por Cazuza (1958 – 1990) para o Blues da piedade (Roberto Frejat e Cazuza, 1988), Babaca mané se posiciona a favor de Fernanda Montenegro e de Martinho da Vila, alvos de recentes ataques de ocupantes de cargos públicos.
Baleiro está do lado certo da história no EP Escória. Mas erra no tom de letras como a de Você não quer dividir o avião, marchinha que completa o repertório inédito do disco.
Marchinhas políticas são normalmente espirituosas e usam o deboche como arma para provocar o riso e estimular a crítica social. Mesmo inquestionáveis do ponto de vista ideológico, as letras das quatro marchinhas de Baleiro soam pesadas ao destilar mais rancor do que graça – opção que vai na contramão do espírito zoador do Carnaval.
Do ponto de vista musical, Escória é a única com cacife para animar o folião no Carnaval engajado de Zeca Baleiro.
Enfim, o baile do Baleiro não foge à luta. Mas – não me leve a mal… – talvez tudo o que se queira de um baile ou bloco de Carnaval é um pouco de leveza e de trégua na luta cotidiana pela sobrevivência e pela manutenção das liberdades.