Da Folha
“Eles tentaram me mandar pra rehab/ Eu disse não, não, não”, cantava a grande Amy Winehouse —pupila, é claro, de Janis Joplin, a maior cantora de rock que já existiu.
Pois Janis aceitou, sim, ir para a tal da “rehab”. Mas sua reabilitação para fugir das drogas não foi uma clínica, e sim o Carnaval carioca de 50 anos atrás. Afinal, aqui não tinha heroína, apenas maconha, LSD e mé, muito mé. Era 6 de fevereiro de 1970, uma sexta-feira véspera da folia, quando Janis pôs os pés na cidade. A data fará 50 anos nesta quinta (6).
A essa altura, a cantora havia varrido os Estados Unidos com os dois álbuns lançados com a banda Big Brother and the Holding Company, sendo que o segundo, “Cheap Thrills” (1968), havia conquistado o primeiro lugar nas paradas.
Ela e sua estilista, Linda Gravenites, se hospedaram no Copacabana Palace, onde muitos poucos se deram conta de quem se tratava. Uma funcionária da loja H. Stern que funcionava no hotel, porém, reconheceu a musa de primeira.
Isso porque o namorado dessa moça, um fotógrafo da edição brasileira da revista Rolling Stone, havia acabado de voltar de Nova York com muitos discos na bagagem, incluindo “Cheap Thrills”. E Ricky Ferreira não parava de falar da cantora para a namorada.
Naquela noite, ela disse a Ricky que sua cantora preferida estava hospedada no hotel em que trabalhava. Ferreira correu para lá no dia seguinte, mas Janis havia acabado de ser expulsa do Copacabana por ter pulado pelada na piscina.
Encontrou-a aos prantos na areia da praia, em frente ao hotel, sem saber o que fazer. Meio século depois, Ricky se recorda que tentou encontrar acomodação para as duas. “Mas era Carnaval, estava tudo lotado. Então ofereci para elas irem para o meu quarto e sala no Leblon. E fomos.”
Ricky logo percebeu a encrenca em que havia se metido: Janis tomava uma garrafa de creme de ovos Dubar no café de manhã, emendando outra de fogo paulista no almoço. Finalizava o dia com nossa marvada pinga. Nunca tomava cerveja, apenas destilados. Linda passava o dia brigando com ela, para que maneirasse.
De sólido, Janis se satisfazia com outros produtos locais, nada a ver com feijoada ou moquecas: ela se virou com biscoitos Maria (ou bolachas, em São Paulo) com uma grossa fatia de marmelada Cica enlatada. Ricky conta: “Sentada no colchão da sala, só de calcinha, ela se deitou para trás para jogar a cinza do cigarro. Ao levantar, tinha três bolachas grudadas nas costas. E nem percebeu”.
A bituca de Janis também quase iniciou um incêndio no Leblon, quando dormiu certa noite com ela acesa e pôs fogo no colchão. Seu jeito de falar era bipolar: “Começava a falar com você como se fosse uma garotinha, delicada, e terminava como se fosse um motorista de caminhão.”
Nas ruas, a cantora preferia os botequins mais humildes a qualquer estabelecimento caro ou da moda. Ricky, Janis e Linda passaram dias flanando pelo Rio enchendo a cara nas esquinas. Um dos poucos que reconheceu Janis nas ruas foi o DJ Big Boy, que a levou na noite de domingo ao palanque da revista Manchete, na Candelária, para assistir ao desfile das escolas de samba.
Logo a notícia de que Janis Joplin estava no Rio se espalhou. Ricky tentou até organizar um show na praça Nossa Senhora da Paz, mas a ideia não evoluiu. Janis, entretanto, voltou ao Copacabana Palace para dar uma entrevista coletiva à imprensa carioca.
“O Hélio Oiticica me ligou dizendo que Janis ia falar no Copa”, lembra o jornalista e produtor Nelson Motta. “Não estava trabalhando para jornal nenhum, fui de alegre. E ela estava bem contente durante a coletiva”, conta ele, que narra o episódio com mais detalhes em seu livro “Noites Tropicais”.
O evento rendeu um convite a Janis. Um ricaço, dono de uma rede de lojas, convidou a cantora para seu camarote no maior baile da cidade, que acontecia no Theatro Municipal. De noite, lá estavam eles na Cinelândia. “Não foi uma boa experiência”, lembra Ricky.