Astro da história do rock, Little Richard morreu aos 87 anos, na manhã deste sábado (9/5). A notícia foi confirmada pelo filho do artista, Danny Penniman, à revista “Rolling Stone”. À CNN, o ex-empresário de Richard, Dick Allen, disse que Richard faleceu em Nashville, com o irmão e o filho ao seu lado, de câncer ósseo.
Pioneiro do rock n’ roll, nascido na Georgia em 5 de dezembro de 1932, incansável músico, pianista e intérprete, Richard Wayne Penniman, como constava em sua identidade, foi um dos nomes sagrados do ritmo conduzido pelas guitarras elétricas.
O artista, aliás, considerava que o nascimento do rock havia acontecido com o lançamento do clássico “Tutti Frutti”, obra com a sua assinatura que estourou nas paradas de sucesso num Estados Unidos racista e puritano da década de 1950.
— Acredito que esse será o meu legado, pois, quando eu comecei no show business, não havia nada parecido com o rock n’ roll — afirmou, em entrevista recente ao El País.
Revolução cultural
Little Richard empolgou uma legião de jovens durante a década de 1950 ao lado de Jerry Lee Lewis e outros músicos que dilaceraram regras e abriram o caminho para mitos como Elvis Presley, os Beatles, Bob Dylan, os Rolling Stones, James Brown, entre muitos outros.
Um famoso grito de guerra se tornara um marco em seus shows: “A-wop-bop-a-loo-bop-a-wop-bam-boom”, dizia um dos versos de “Tutti Frutti”.
Esse grito foi mesmo responsável por uma revolução cultural e comportamental na América, alçando o rock à categoria de maior fenômeno cultural da segunda metade do século 20. Todas as gerações posteriores tiveram a influência de Little Richard, de forma direta ou indireta.
Richard Wayne Penniman era o terceiro de 12 filhos de Charles Penniman, um fabricante clandestino de bebidas alcoólicas, e Leva Mae. Cresceu numa família religiosa na qual cantar fazia parte de suas vidas.
A liberdade que a música lhe dava, no entanto, contrastava com a privação que a religiosidade lhe impunha, conflito que levaria por toda sua vida. Aprendeu a tocar saxofone e piano na adolescência, mesmo período em que começou a perder o interesse pela escola e a tocar em várias bandas.
— Hoje, eu separo bem essas duas coisas, Deus e o rock, algo que não conseguia fazer na minha juventude. O rock é minha vida, meu trabalho, mas também acredito em Deus. Posso fazer um grande show e no dia seguinte ir à igreja rezar — explicou em entrevista ao GLOBO publicada em 1997, quando apresentou um show no Brasil (em 1993, ele já havia feito outras performances no país).
Em 1948, foi expulso de casa pelo pai, que acreditava que o comportamento de seu filho não estava de acordo com as leis cristãs. Por várias vezes, Richard recebeu punições por gostar de se vestir com as roupas de sua mãe.
Glam rock e moda andrógina
Em 1950, Little Richard conheceu o cantor Billy Wright, cujo grande cabelo, maquiagem pesada e blues de estilo gospel lhe influenciaram. Foi aí que ele começou a criar uma estética própria, entre o glam rock e a moda andrógina, algo que influenciaria diretamente nomes como Prince e David Bowie.
Nos bastidores, ele passaria a se definir como gay, bissexual e “pan-sexual”, como reforçava. Até gravar seu primeiro disco, em 1951, Richard se apresentou em bares e boates vestido de mulher, sendo chamado de “Anabela”.
A primeira gravação em estúdio aconteceu em 1951, com a banda de Wright. Nesse mesmo ano, o artista consegue assinar um contrato com a gravadora RCA Victor. Entre as músicas, destacou-se o blues “Every hour”, que se tornou seu primeiro single e um sucesso na Geórgia. O lançamento, aliás, melhorou o relacionamento com seu pai, que começou a tocar a música regularmente em seu bar.
Sucesso com ‘Tutti Frutti’
Em 1953, formou uma banda, The Upsetters, com Charles “Chuck” Connors , Wilbert “Lee Diamond” Smith, Nathaniel “Buster” Douglas, Olsie “Bassy” Robinson, Clifford “Gene” Burks e Grady Gaines. Little Richard e a banda fizeram apresentações em clubes entre 1953 e 1955.
À medida que a fama crescia, Little Richard passava a ser requisitado também para os filmes de rock’n’roll: “Do not knock the rock” (1956), “The girl can not help it” (1956) e “O rei do rock and roll” (1957), que o consagraram como um dos pioneiros do rock.
Em 1957, uma guinada interrompe a requisitada agenda de shows. Durante uma viagem para Austrália, Little Richard abandonou o rock para abraçar a Bíblia, tornando-se pastor e cantor de música gospel. À época, casou-se com Ernestine Campbell e lançou seu primeiro álbum religioso, “God is real”. A carreira evangélica durou apenas quatro anos, bem como seu casamento.
Em 1962, voltou ao rock e aos palcos, percorrendo a Grã-Bretanha e a Alemanha com os Rolling Stones e os Beatles, que abriam os seus shows e o idolatrava.
No fm da década de 1970, a dualidade que marcou sua vida estava de volta: após um período de abuso de drogas, quando chegou a gastar cerca de mil dólares por dia com o vício, Richard novamente se afastou do rock para abraçar o cristianismo evangélico, tornando-se pregador e vendedor de bíblias, cantando o evangelho e renunciando ao rock, às drogas e à própria homossexualidade.
Infográfico: dez fatos que mudaram o rock
Em 1979, ele lançou o álbum gospel “God’s beautiful city”. Como pregador, realizou casamentos para Cyndi Lauper e David Thornton, Bruce Willis e Demi Moore, e falou nos funerais dos músicos amigos Wilson Pickett e Ike Turner.
Em 1984, a publicação da biografia “The life and times of Little Richard”, de Charles White, provocou mais um retorno musical do cantor.
Filme e aposentadoria
Entre os vários prêmios conquistados estão o Lifetime Achievement, durante o 35º Prêmio Grammy, em 1993; e o prêmio de mérito do American Music Award, em 1997.
Em 2000, sua trajetória foi contada no filme “A história de Little Richard”, estrelado por Leon Robinson.
Na década de 2010, com fortes dores no nervo ciático e problemas degenerativos no quadril, Little Richard começou a reduzir o número de shows. Em setembro de 2013, aos 80 anos, anunciou sua aposentadoria. O músico afirmou que tomou essa decisão após não conseguir terminar um show em junho de 2012, em Washington.
Nas redes sociais, alguns dos grandes nomes do rock lamentaram a morte do pioneiro Little Richard.
Mick Jagger
“Estou muito triste por saber da morte de Little Richard, ele foi a maior inspiração no meu início da adolescência e sua música ainda tem a mesma energia elétrica bruta quando você a toca agora, assim como quando tocou pela primeira vez na cena musical em meados dos anos 50. Quando estávamos em turnê com ele, eu assistia seus movimentos todas as noites e aprendia com ele como entreter e envolver o público, e ele sempre foi muito generoso com conselhos para mim. Ele contribuiu muito para a música popular. Vou sentir sua falta Richard, Deus o abençoe.”