Clara Menezes
O Povo
No interior do Ceará, algumas pessoas conservam uma tradição intrínseca da cultura do Estado: prever o clima. Movidos pela necessidade da água e, consequentemente, pelo medo da seca, os “profetas da chuva” desenvolveram técnicas a partir de experiências próprias e de conhecimentos transmitidos de geração para geração. Para retratar a história desses homens e mulheres que integram o imaginário do Nordeste, será lançado o projeto “Os Profetas – pelo observar da natureza e o desejo de chover”, que consiste em livro e documentário, retratando os saberes dos profetas da chuva do Sertão de hoje, 20, até quarta-feira, 22, numa série de lives .
A força dessas crenças é tanta que, há mais de duas décadas, eles reúnem-se no Encontro Anual dos Profetas Populares do Sertão Central, sediado em Quixadá. Dona Lourdinha, José Célio de Assis e Antônio Josué Viana são alguns dos nomes que compartilham seus conhecimentos – empíricos e místicos – na produção. “Apesar de terem muitas semelhanças, todos são singulares. Dona Lourdinha se distingue por ser mulher. Suas histórias sempre pontuais e sua vitalidade surpreendem. José Célio, que tem quase 90 anos, também é muito preciso na forma de articular o saber popular com a ciência”, recorda o diretor do curta-metragem, Vitor Grilo.
“Eles são personagens de um sertão profundo e potente. Eles, de fato, conseguem, cada um com sua técnica e a seu modo, observar fenômenos naturais que predizem o clima. Acho que os profetas são personagens tão importantes quanto as rendeiras na nossa cultura”, opina Claudia Albuquerque, uma das autoras do livro, responsável por conduzir as entrevistas. Essa sabedoria, que é propagada na fala, entre famílias, cria categorias de especialização. “Seu Josué Viana, por exemplo, observa os astros, como a Estrela d’Alva e as Três Marias. Tem Renato Lino, de Tapuiará (distrito de Quixadá), que observa as abelhas. Já Dona Lourdinha faz experiências com pedras de sal”, detalha Claudia.
Vitor reforça a ideia de que os profetas são parte da memória do Ceará. “Até nos fortalezenses conserva-se uma memória viva, mesmo que nem percebamos que ela exista. Fortaleza foi muito ocupada pela migração, oriunda da seca. Então existe uma conexão com o interior do Estado”, explica. Apesar de muitos habitarem em uma região cosmopolita, a relação com a chuva e o conceito de inverno, por exemplo, são remanescentes do conhecimento conservado há décadas.
O projeto registrou o XXIV Encontro Anual dos Profetas da Chuva, que aconteceu em janeiro de 2020. Com textos de Benedito Teixeira, Cláudia Albuquerque e Ethel de Paula, a obra escrita conserva o modo de falar e as memórias dos homens e das mulheres que mantêm viva a tradição de prever o tempo. O prefácio ainda foi escrito pelo jornalista Gilmar de Carvalho, estudioso em cultura popular.
Com 25 minutos, quase um média-metragem, o documentário tem um ritmo distinto do usual. “Eles vivem em uma temporalidade extremamente diferente da nossa. Isso implica na forma como eles narram. Foi muito difícil selecionar porque tinha várias informações interessantes. Tivemos que escutar do começo ao fim para conseguirmos, minimamente, adentrar no tempo deles”, afirma Vitor Grilo.
A obra e o audiolivro estarão disponíveis a partir desta segunda-feira, 20, para acesso gratuito no site: livroprofetas.com.br. Versões impressas serão distribuídas gratuitamente nas bibliotecas públicas e comunitárias do Sistema Estadual de Bibliotecas do Ceará. Os sertanejos que concederam entrevistas também receberão o livro. O documentário estará online a partir de quarta-feira, 22. “Os profetas estão velhos. A maioria tem mais de 60 anos. E muitos jovens não se interessam por essa sabedoria. É muito importante registrar essa geração, que eu espero que não seja a última. Sem os jovens, as tradições morrem. Então precisamos registrar e divulgar o que existe enquanto temos”, conclui Claudia.
Evento virtual
Três transmissões ao vivo acontecerão entre hoje e quarta-feira, 22, para apresentar o projeto. Hoje, a live de lançamento do livro traz como convidados uma das autoras, Claudia Albuquerque; o Secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba; e o pesquisador, Gilmar de Carvalho. Eles abordarão a importância de registrar e valorizar o trabalho desses profetas.
No segundo dia de evento, a live contará com a participação do escritor Benedito Teixeira; da pesquisadora e psicóloga Karla Martins; e da meteorologista e pesquisadora da Funceme, Meiry Sakamoto. O encontro busca mostrar diferentes perspectivas sobre as profecias de previsão do tempo, por meio da psicanálise, da ciência e da cultura.
Para finalizar a grade de programação, haverá o lançamento do documentário na quarta, 22, em live com a professora Bete Jaguaribe, o diretor do curta, Vitor Grilo, e o cineasta Wolney Oliveira. Eles falarão sobre os “Profetas da chuva no imaginário audiovisual”.
O livro (com versão também em áudio) estará disponível a partir de hoje para acesso gratuito no site: livroprofetas.com.br. Versões impressas serão distribuídas nas bibliotecas públicas e comunitárias do Estado. O documentário estará online a partir de quarta-feira, 22.
Programação
Live de lançamento do livro “Os Profetas – pelo observar da natureza e o desejo de chover”
Convidados: Claudia Albuquerque, jornalista e escritora; Fabiano Piúba, secretário estadual da cultura; Gilmar de Carvalho, escritor e pesquisador
Quando: hoje, às 17 horas
Live sobre “Observadores da natureza: profecias & ciência”
Convidados: Benedito Teixeira, escritor e jornalista; Karla Martins, pesquisadora e psicóloga; Meiry Sakamoto, meteorologista e pesquisadora da Funceme
Quando: terça, 21, às 17 horas
Live sobre “Profetas da chuva no imaginário audiovisual”
Convidados: Bete Jaguaribe, jornalista e professora; Vitor Grilo, realizador audiovisual; Wolney Oliveira, cineasta
Quando: quarta, 22, às 17 horas
Onde: no site livroprofetas.com.br, nos canais do Youtube da Inventos Produções Culturais e da Cagece