O Brasil tem a quinta maior população online do mundo, com 71% das pessoas conectadas a alguma rede social, versus 59% da média global. Gastamos nove horas por dia na internet, sendo quatro em streamings de vídeo e três nas redes sociais. A população tem 52% de usuários de bancos digitais, ante 33% na Inglaterra.
No entanto, 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador ou tablet em casa, enquanto 94% das escolas públicas nos EUA fornecem esses dispositivos digitais para alunos que precisam. Apenas 33% dos municípios brasileiros adotam o prontuário médico eletrônico nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) —frente a 86%, se compararmos com as cidades britânicas.
A conexão à internet móvel no Brasil na tecnologia 4G alcançou praticamente 92% em 2022, segundo dados da Anatel. A limitação, agora, ocorre devido ao preço dos telefones celulares, à desigualdade de renda e à tributação.
O Brasil vive, portanto, um paradoxo digital. É o segundo país do mundo com mais horas conectado à internet, mas está longe de desfrutar plenamente dos benefícios da inclusão digital, como a telemedicina, ensino a distância e serviços públicos online.
As oportunidades podem ser muito maiores que os desafios, uma vez que ainda somos uma população predominantemente jovem. Existe um contingente significativo de representantes da chamada geração Zeta (os que adolesceram durante a pandemia) que possuem uma forte vivência digital no aprendizado, na socialização, no entretenimento, na formação de opinião. São os “virtual firsters” que sustentam a possibilidade de reduzir os gaps sociais do país muito mais rapidamente por meio da inclusão digital.
Soma-se a esse perfil demográfico o grande contingente de micro e pequenos empreendedores que estão na base da economia interna e que podem ter suas atividades alavancadas pela digitalização. Para se ter uma ideia do que isso significa, uma pesquisa do instituto Data Favela indica que os 17,9 milhões de moradores dessas comunidades movimentam mais de R$ 200 bilhões por ano, e 5,2 milhões deles são empreendedores, além dos 6 milhões que pretendem ter seu próprio negócio.
Para ampliar a conectividade e ter uma sociedade mais digital, o Brasil deveria, primeiro, criar incentivos para que o mercado implante redes móveis em locais sem cobertura. A nova regulamentação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), por exemplo, é uma alternativa para eliminar essas lacunas de redes em regiões mais remotas.
Também deveria aproveitar a reforma tributária para reduzir impostos e encargos específicos do setor, visando a diminuir as barreiras de acessibilidade para novos usuários, inclusive encorajando a adoção da internet móvel entre os que já tem cobertura de rede. O país tem a maior carga tributária sobre equipamentos e serviços de telecomunicações: um índice de cerca de 35% de impostos cobrados diretamente do consumidor logo na aquisição de um serviço, como um pacote de dados, ou de um aparelho celular, laptop ou outro dispositivo. Mas, como ficou provado com a redução do ICMS no final do ano passado, uma diminuição dessa carga impacta diretamente o consumo, aumentando a compra de equipamentos e de serviços, a receita das empresas e a própria arrecadação fiscal.
As empresas de telecomunicações investiram R$ 918 bilhões no país desde a privatização do setor em 1998, constituindo-se no terceiro segmento com maiores inversões do Brasil. Seu retorno sobre o capital investido é modesto, de aproximadamente 7,7%. Esse fator limitante pode ser enfrentado tanto na reforma tributária, desonerando os investimentos, como na participação de mais agentes —como as plataformas digitais e outros usuários intensivos das redes— para compartilhar dessa agenda de desenvolvimento da capacidade instalada do país.
Com uma governança transversal, que integre educação digital —com a formação de professores preparados para capacitar os jovens para as novas profissões surgidas com a tecnologia—, aumento de incentivos a investimentos e ampliação do acesso da população a serviços e equipamentos, a inclusão digital pode viabilizar a aceleração da inclusão social e ser um dos grandes legados do novo governo para o país.
Da Folha