O presidente Jair Bolsonaro publicou nesta terça-feira (24) medida provisória (MP) com regras para a escolha de reitores de universidades federais. O texto fixa pesos diferentes de voto para professores, funcionários e alunos na eleição. Na prática, isso restringe a autonomia das instituições na definição do processo – muitas adotam paridade na votação, sob justificativa de um modelo mais democrático. A MP ainda veta o dirigente enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
A MP passa a valer imediatamente, por 120 dias, mas precisa de aval do Congresso para seguir válida. A associação de reitores das federais, a Andifes, critica a falta de debate. Entre dirigentes, há ainda receio de que a MP dê margem para mais interferência do Executivo nas universidades, que têm autonomia prevista pela Constituição.
A gestão Bolsonaro vive relação tensa com a rede federal de ensino. Além do bloqueio de recursos, o presidente e o ministro Abraham Weintraub acusam as instituições de suposta doutrinação ideológica.
Pela lei, a escolha do reitor é em etapas. Primeiro, a comunidade acadêmica elege a lista tríplice de candidatos. Depois, o presidente escolhe um deles, o que foi mantido na MP. Desde 2003, a tradição era indicar o mais votado, mas Bolsonaro rompeu com a prática este ano – foram os casos das federais do Ceará e do Triângulo Mineiro.
O novo texto reforça o peso de 70% para o voto de docentes (já previsto em leis anteriores) e, agora, define pesos para os votos de técnicos e alunos (15% para cada categoria). Muitas federais optam pela votação paritária – informal – na comunidade acadêmica para a lista tríplice. Depois, o resultado é chancelado pelo órgão responsável e enviado ao presidente. Há casos em que os derrotados se retiram da disputa e a lista é formada só pelo vencedor e outros apoiadores. A MP diz que a lista deve incluir os candidatos por ordem decrescente de votação.
Nota técnica do Ministério da Educação (MEC) em dezembro de 2018, na gestão Michel Temer, já havia determinado a exigência de seguir a regra de 70% de peso do voto docente. A eleição, diz a nota, pode ser anulada se há desrespeito à regra, mesmo na consulta informal.
A MP prevê eleição obrigatória e direta, sem necessidade de passar pelo conselho universitário, órgão máximo de cada instituição. O voto será facultativo e, preferencialmente, eletrônico. O mandato é de quatro anos e foi extinta a reeleição. Veda ainda o reitor enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível para cargo eletivo o condenado em ação criminal.
A nova regra também dá ao reitor a prerrogativa de escolher seu vice (que hoje costuma ser eleito na mesma chapa que o dirigente) e os diretores de câmpus e unidades. Para esses cargos, as universidades adotavam diferentes formatos, como eleições internas na faculdade ou nos órgãos representativos.
As regras valem também para os institutos federais de ensino. Hoje, essas instituições só enviam um nome ao Executivo, e não uma lista tríplice.
Críticas. Presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal da Bahia, João Carlos Salles diz que a entidade não foi consultada e critica a edição da MP durante o Natal. “Cada instituição deve exercer sua autonomia, inclusive na formulação de critérios acadêmicos e democráticos para a escolha mais legítima de seus dirigentes.”
A Frente Parlamentar de Valorização das Universidades vê falta de urgência para justificar uma MP e prevê contestar a norma no Supremo Tribunal Federal e na presidência do Senado.
Nina Ranieri, professora de Direito da USP, também questiona o uso de MP. Ela aponta “engessamento” ao definir o peso de cada categoria, mas não vê problema em privilegiar docentes. “São o corpo permanente da universidade e exercem as atividades-fim: ensino, pesquisa e extensão.” Uma regulamentação do processo, diz, pode reduzir conflitos – há ações na Justiça contra o voto paritário.