Um brasileiro que chegasse aos 60 anos na segunda metade da década de 1980 viveria, em média, 16,1 anos a mais, até os 76. Hoje, a sobrevida esperada de um sexagenário no Brasil é de 22,3 anos, até os 82.
O expressivo salto de 37,3% foi o quarto maior registrado entre 202 países e territórios, segundo dados do departamento de demografia da ONU (Organização das Nações Unidas), atrás dos avanços em Bolívia, Maldivas e Coreia do Sul.
O crescimento da sobrevida no Brasil desde a Constituição de 1988 —que consolidou o atual regime previdenciário— é um dos principais argumentos de especialistas e do governo na defesa da urgência de uma reforma nas regras de aposentadoria.
Embora algumas normas importantes já tenham sido alteradas desde a promulgação da Carta, outras alterações consideradas cruciais, como a adoção de uma idade mínima para todos os trabalhadores, ainda não ocorreram.
Algumas críticas em relação à necessidade de uma reforma se baseiam na expectativa média de vida do brasileiro ao nascer, hoje de 76 anos.
Nesse caso, a ponderação feita é que alguém obrigado a trabalhar até 65 anos teria apenas outros 11 para desfrutar do justo descanso e de seu benefício previdenciário.
Mas esse argumento parte de uma avaliação equivocada sobre que conceito de expectativa de vida deve ser o mais considerado em termos de aposentadoria.
A esperança da idade máxima que será, em média, alcançada pelos cidadãos de certa população varia dependendo de quando o recorte é feito.
Na base da pirâmide etária, a mortalidade é mais alta. A cada 1.000 crianças nascidas em 2017, quase 13 morriam antes de completar 1 ano. Se sobrevivesse a esse primeiro ano, porém, a probabilidade de óbito até completar 2 caía para 0,8 em 1.000.
Já a sobrevida na maturidade é mais elevada porque os que morrem precocemente já deixaram a amostra daquela geração, o que faz com que a expectativa média suba.
Os que conseguem adentrar os 60 são os que um dia farão parte do grupo de aposentados. No Brasil, seus 22 anos a mais de vida são, portanto, o tempo que deve ser considerado na análise da sustentabilidade do regime previdenciário.
Mas esse cenário é, na verdade, ainda mais complexo porque o processo de aumento da sobrevida, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, continua a pleno vapor.
“O Brasil tem feito grandes progressos na [queda da] mortalidade, mas esse não é um fenômeno particular, ele acompanha a tendência de países com características socioeconômicas parecidas”, diz Gabriel Borges, pesquisador do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Fatores como avanços na medicina e na tecnologia, mudanças de hábito, melhorias sanitárias e maior acesso a serviços de saúde têm elevado a longevidade.
Segundo as projeções da ONU, os idosos com mais de 65 anos representarão quase metade da expansão demográfica mundial de agora até o fim deste século.
“Já vemos efeito grande na redução da mortalidade em idades avançadas. Isso, em boa parte, por causa da tecnologia médica, como cirurgias cardiovasculares”, diz Ana Amélia Camarano, coordenadora de estudos e pesquisas de igualdade de gênero, raça e gerações do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
No Brasil, de acordo com os cálculos da ONU —que são feitos para períodos de cinco anos—, quem chegar aos 60 anos perto de 2100 viverá, em média, até os 90.
Essa sobrevida de 30 anos é o dobro da esperada por um brasileiro que atingisse a mesma faixa etária na primeira metade da década 1950.
Esse aumento contínuo é usado como justificativa pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para incluir na reforma mecanismo de ajuste da idade mínima de aposentadoria a cada quatro anos que considere mudanças na sobrevida.
Embora não seja o principal elemento no cálculo da sustentabilidade de sistemas previdenciários, a expectativa de vida ao nascer também deve ser considerada.
Quanto mais ela se aproxima da sobrevida na maturidade, maior o número de idosos —e, portanto, de pessoas elegíveis à aposentadoria. Essa tendência de aproximação tem ocorrido em vários países. No Brasil, hoje, a diferença entre a expectativa de vida ao nascer (75,8 anos) e aos 60 anos (82,3 anos) é de 6,5 anos.
Segundo a ONU, até o fim deste século, essa distância deverá cair para 3,2 anos.
Vários fatores explicam esse movimento. Além da melhoria na saúde, é possível que a violência, que penaliza principalmente os mais jovens, caia.
No Brasil, a morte violenta na juventude tem aumentado. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídio entre brasileiros de 15 a 29 anos subiu 25%.
Um estudo dos economistas Daniel Cerqueira e Rodrigo Leandro de Moura mostra que o aumento da fatia de jovens na população contribuiu para esse aumento.
Segundo projeções, a tendência é que o início do encolhimento da população jovem atue, a partir de agora, como uma força de redução dos homicídios.
Mas é difícil saber se os fatores que contribuem para a queda no número de mortes precoces no Brasil não serão compensados por outros que atuam na direção contrária.
“O efeito da mudança demográfica pode ser anulado por outros fatores que contribuem para o aumento de homicídios, como a atuação de gangues e o aumento do porte de armas”, diz Cerqueira, que é conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Além disso, há particularidades regionais. No Maranhão, a esperança de vida ao nascer não chegava a 71 anos em 2017, enquanto em Santa Catarina caminhava para 80.
Mas essa diferença tende a cair conforme as pessoas envelhecem. Aos 60 anos, a expectativa de sobrevida no Maranhão era de 20,4 anos, ante 23,9 em Santa Catarina.
De qualquer forma, se as tendências atuais se confirmarem, a pressão sobre o regime previdenciário tende a continuar aumentando nas próximas décadas.