Em sua primeira audiência no Congresso e poucas semanas após a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) pelos governos brasileiro e americano — que implicará a presença de militares e técnicos enviados pelos Estados Unidos na base de Alcântara, no Maranhão —, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, descartou qualquer tipo de participação de militares estrangeiros em ações no território brasileiro.
Em seu discurso, Azevedo assegurou que “o Brasil e as suas Forças Armadas têm condições de lidar com o desafios que se apresentam, interna e externamente”, razão pela qual os “militares sequer cogitam a possibilidade de tropas estrangeiras atuarem de alguma forma no território nacional”.
— Os militares cuidam dos quartéis para dentro. Eu cuido dos quartéis para fora… sou eu quem representa politicamente os comandantes junto ao governo. Os militares estão fazendo o que sempre fizeram, concentrados na atividade-fim de cada uma das Forças — declarou o ministro diante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara, presidida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL).
Na mesma linha, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, defendeu o acordo, afirmando que a presença americana não afetará a soberania nacional.
Aos membros da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, Pontes disse que a parceria com os EUA é positiva para o Brasil, já que dá uso para um “elefante branco”, arrecadando dinheiro para investimentos em ciência e tecnologia. Ele afirmou também que os Estados Unidos não precisam autorizar lançamentos no centro, a não ser que envolva tecnologia americana.
— O centro é nosso. O centro espacial de Alcântara é do brasileiro. Eu não dependo dos EUA pra dizer se eu posso lançar um equipamento que não tenha tecnologia deles.
Segundo Pontes, a ideia do governo é utilizar o centro para lançar equipamentos de outros países, e o acordo com os EUA é essencial nesse processo, uma vez que grande parte dos satélites possuem tecnologia norte-americana.
O acordo fechado com os EUA está provocando polêmica no Congresso, onde deve ser ratificado para entrar em vigência. Setores da oposição acusam o governo de estar entregando a base de Alcântara aos americanos, denúncia negada enfaticamente pelo ministro, assim como pelo Planalto e pelo Itamaraty.
Sobre os termos do AST, Azevedo, por sua vez, afirmou que ele “prevê o desenvolvimento de programas para fins pacíficos”.
— Mísseis são altamente proibidos. Tudo que entrar no Brasil seguirá as leis brasileiras. A tramitação de todo o material que virá, principalmente de empresas, passará pelos controles alfandegários.
O ministro, informaram assessores da comissão, reiterou que a preservação da soberania brasileira é uma das preocupações do Brasil e garantiu que o acordo não cede o Centro de Lançamentos de Alcântara para os Estados Unidos, mas preserva as patentes e marcas. Além disso, lembrou que Rússia, China e Índia firmaram acordo semelhante e que o mercado de lançamento de foguetes chegará a US$ 1 trilhão até 2040.
Em sua apresentação, Azevedo lembrou que “não há qualquer possibilidade de lançamento de mísseis em Alcântara”, apenas satélites e foguetes. O Brasil é signatário do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR) desde 1995.
Questão dos quilombolas
A fase final do acordo, explicou Azevedo, será a realização de “ajustes locais, como a questão envolvendo os quilombolas (comunidade indígena do Maranhão), por exemplo, tema que é discutido no âmbito da Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional (GSI, comandado pelo general Augusto Heleno) e na pasta da Defesa.
Recentemente, quilombolas da cidade de Alcântara denunciaram o entendimento entre Brasil e EUA à Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em nota oficial, o grupo afirmou que “o processo de expropriação das terras quilombolas já atingiu mais de 2 mil famílias, um território que corresponde a 52% da superfície do município de Alcântara. Centenas de famílias foram reassentadas em agrovilas, distantes mais de dez quilômetros do acesso ao mar, em terras inférteis e insuficientes para o desenvolvimento das atividades econômicas e de manejo dos recursos naturais que lhes eram características”.
Durante a audiência, Pontes foi questionado por deputados da oposição sobre o futuro da população local:
— Votar um projeto desse sem levar em conta os quilombolas é melhor fazer uma fornalha e colocá-los no forno. Existe esse problema, e ele precisa ser levado a sério — afirmou o deputado Frei Anastácio (PT-PB).
O deputado Marcio Jerry (PCdoB-MA) também defendeu uma aproximação do governo com a comunidade local e propôs um grupo de trabalho para discutir o tema com os moradores, pesquisadores e autoridades do estado.
Desde 2008, quilombolas aguardam que o governo federal ratifique um relatório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) reconhecendo seu direito de ocupar 78 mil hectares de terras na região. Com a denúncia, eles pretendem garantir a titulação de suas terras e a realização de consulta pública que preceda o possível avanço do acordo com os EUA.