Todos os dias, 890 toneladas de plásticos são despejadas no mar brasileiro. Em apenas 24 horas, bilhões de itens de plástico escorrem pelos esgotos e acessam os rios, até invadirem o litoral. São embalagens abandonadas em lixões, sacos plásticos carregados pelas chuvas, materiais deixados sobre as areias das praias que acabam no Atlântico.
Parte desse volume colossal de lixo tem sido ingerida por animais marinhos, que morrem contaminados. Outra parte é engolida por você. Esse plástico, após anos de exposição à água e à luz, acaba convertido em pequenos fragmentos, microplásticos que vão parar dentro de peixes de todas as espécies, incluindo aquelas levadas à sua mesa no almoço.
A dimensão da poluição marinha causada pelo Brasil acaba de ser medida em um estudo inédito feito por cientistas e estudiosos da organização Oceana. Por um ano e meio, os pesquisadores reuniram estudos técnicos e dados oficiais do governo para avaliar o impacto que o plástico tem causado no mar brasileiro. O Estadão teve acesso exclusivo ao relatório, que expõe a profundidade do problema e a urgência em se achar uma solução.
O Brasil é o maior produtor de plástico na América Latina, responsável por colocar 6,67 milhões de toneladas desses itens na vida cotidiana das pessoas todos os anos. A maior parte desse material não é recolhido e quase 5% vai parar no fundo do mar. São 325 mil toneladas de lixo plástico por ano despejadas no Atlântico.
O cruzamento de informações revela que nada menos que 500 bilhões de itens descartáveis de plástico são produzidos anualmente pelo País. Isso equivale a 15 mil itens por segundo. São copos, talheres, sacolas e embalagens. O problema se avoluma no momento em que grande parte desse material não é reutilizada, mas sim convertida em objeto de contaminação no minuto seguinte ao descarte.
Dada a pouca reciclagem de plástico, o material fica acumulado em aterros e lixões, isso quando não vai parar diretamente no meio ambiente, em áreas naturais, como o mar. O relatório “Um oceano livre de plástico – desafios para reduzir a poluição marinha no Brasil” mostra que há taxas divergentes sobre o alcance da reciclagem de plásticos, mas confirmam que ao menos 77% do resíduo de plástico nacional está acumulado em aterros, lixões ou disperso no meio ambiente.
A cientista marinha Lara Iwanicki, uma das responsáveis pelo estudo, explica que parte do problema se deve, de fato, à dificuldade de conscientização e de educação da população sobre como lidar com o plástico. Mas Lara chama a atenção para o papel crucial da indústria, que tem ignorado o assunto e deixado de buscar alternativas que possam reduzir o uso e consumo do polímero.
“Fica conveniente transferir essa responsabilidade de tratamento e descarte só para o consumidor e os municípios. É preciso se voltar, também, para o início do problema, com o objetivo de reduzir a quantidade de plástico descartável produzida na fonte”, diz a cientista. “Incentivar a criação de outras alternativas de embalagens, por exemplo, tem o poder de impulsionar inovação. Tem uma economia nova atrás disso.”
Legislação frágil. A solução passa pelo Congresso Nacional. Os especialistas afirmam que o Brasil tem hoje uma legislação que não traz efeitos práticos para controlar a produção de plásticos no País, tampouco incentiva a busca de outras alternativas para substituir o material do dia a dia da população.
“O Brasil está bastante atrasado nessa discussão. Não existe pressão popular, enquanto vemos países desenvolvidos e em desenvolvimento aprovando legislação restritivas ao plástico”, diz Lara. “A China é o maior produtor do mundo e aprovou uma legislação para reduzir o consumo interno até 2025.”
Em março do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar. Em junho deste ano, anunciou que coletou cerca de 400 toneladas de resíduos em praias do País, com mais de 200 ações de limpeza de praias, rios e mangues, em mais de 100 municípios, nos 17 Estados da costa nacional.
Na avaliação dos especialistas, o governo tem apenas enxugado o gelo. “Há lentidão na execução de recursos. Fora isso, não temos lei que mire a produção, responsável por gerar um volume gigantesco”, diz Lara.