Por Murilo Pajolla, no Brasil de Fato
Indígenas do Maranhão expulsaram de suas terras um coordenador da Funai nomeado para o cargo sem qualquer experiência em indigenismo. Ele substituiu uma servidora de carreira elogiada pelos indígenas da região, considerados um dos mais fragilizados do planeta.
O episódio, que não deixou feridos, foi protagonizado pelos Awá Guajá, um povo de recente contato marcado pelo histórico de genocídio na década de 60 e hoje alvo de invasões crescentes de fazendeiros.
O coordenador em questão é Elton Henrique de Sá Magalhães, novo chefe da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Awá Guajá, uma das unidades regionais da Funai responsáveis por proteger povos isolados e de recente contato.
No cargo desde o dia 7 de abril, Magalhães tem graduação em Gestão Hospitalar e, até dois meses antes da nomeação, foi dono de uma empresa de consultoria de gestão em saúde, que prestava serviço para órgãos municipais e estaduais.
Expulso sob a mira de arcos e flechas
A expulsão ocorreu durante uma reunião no dia 13 de julho, convocada a pedido dos indígenas. Magalhães compareceu ao encontro nos limites da Terra Indígena (TI) Caru, no município de Alto Alegre do Pindaré (MA).
Após ouvirem Magalhães, cerca de 50 indígenas cercaram e deixaram claro que não reconhecem sua atuação como coordenador. Com arcos e flechas nas mãos, ordenaram que ele se retirasse e cortaram a interlocução com a chefia regional do órgão indigenista.
Um dos participantes do encontro foi Tatuxa’a Awa Guaja, presidente da associação Arari, entidade que representa os Awá Guajá. “Esse pessoal queria vir para entrar e passar na frente da outra coordenadora. A comunidade não vai aceitar. A comunidade não aceita. [A gente] brigou, mas não encostamos nele [Magalhães]”, afirmou ao Brasil de Fato.
A liderança diz que a associação indígena não foi consultada previamente sobre a troca de comando. “O governo que está aí não gosta de indígena. Ele quer eliminar [os indígenas]”, enfatizou Tatuxa’a.
“Todas as comunidades não gostam [do novo coordenador] e estão perguntando: ‘por que o pessoal [da Funai] não trabalha bem para nós? Será que dá para tocar por outro [coordenador]?’ Vamos reclamar e vamos pedir”, garantiu o Awá Guajá.
Antecessora de Magalhães prestava “excelente trabalho”
Magalhães substituiu a indigenista da Funai Daianne Veras Pereira, elogiada pelos indígenas pelo trabalho conduzido ao longo da pandemia da covid-19. A Funai já recebeu oficialmente pedidos de organizações indígenas para realocá-la na função, todos ignorados.
A servidora de carreira atuava com “responsabilidade técnica indigenista”, segundo afirmaram em nota duas organizações indígenas do estado, a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima) e a Articulação de Mulheres Indígenas do Maranhão (Amima).
“Destacamos que a servidora Daianne Veras Pereira tem prestado excelente trabalho no indigenismo institucional na Funai, realizando importantes ações de promoção e proteção dos direitos indígenas garantidos na Constituição Brasileira de 1988, nas áreas de proteção territorial, educação, saúde, etnodesenvolvimento”, dizem as organizações indígenas.
Indígenas da região são um dos mais vulneráveis do planeta, diz servidor
As frentes de proteção de povos isolados e de recente contato, como a chefiada por Magalhães, são as que mais exigem conhecimento técnico, pois lidam com populações que pouco compreendem ou desconhecem inteiramente o modo de organização social, político e econômico da sociedade não indígena.
Nesses casos, a experiência administrativa não basta, pois o bom desempenho depende de uma compreensão aprofundada sobre os modos de vida ancestrais das populações originárias, só obtida após anos de convívio próximo com indígenas.
Um servidor da Funai que atua na região e não quis se identificar afirma que os Awá Guajá que vivem na TI Araribóia são um dos povos isolados mais vulneráveis do planeta. “Eles têm uma situação muito grave de falta de recursos, tanto de alimentação como de recursos hídricos, e convivem com uma invasão madeireira”, afirmou o indigenista.
O entendimento é compartilhado pelo Observatório dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI). Segundo a entidade, a TI Awá é alvo de forte pressão de pecuaristas, que vem retomando terras protegidas de onde foram expulsos em um processo de desintrusão em 2014.
“As atividades para a proteção territorial dos indígenas isolados na Terra Indígena Caru e Araribóia é praticamente inexistente por parte da Funai, sendo executada principalmente pelos Guardiões da Floresta do Povo Tenetehara”, afirmou o OPI em comunicado publicado em abril.
Nomeação foi moeda de troca eleitoral, diz ONG
O OPI considera que a nomeação de Magalhães é uma concessão a políticos locais em troca de apoio à reeleição de Bolsonaro, que está em desvantagem nas pesquisas de preferência do eleitorado maranhense.
No Maranhão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desponta como favorito nas pesquisas de intenção de voto. O petista terá o provável apoio dos dois candidatos que lideram a disputa pelo governo maranhense, Wewerton Rocha (PDT) e Carlos Brandão (PSB).
“Faz parte de uma lógica de nomeações que favorecem políticos regionais que apoiam o Governo Bolsonaro. Trata-se de mais uma atitude de destruição da política pública para povos indígenas isolados e de recente contato, e soma-se às graves violações que estão sendo cometidas contra esses povos”, escreveu o Opi.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Funai não se manifestou. Se houver resposta, o texto será atualizado.
–
Edição: Thalita Pires