Segundo o Censo Agropecuário, divulgado nesta sexta-feira (26) pelo IBGE, 1% das propriedades agrícolas do país ocupavam quase metade da área rural brasileira. Juntas, elas concentravam 47,6% da área ocupada por todas as fazendas do país.
Em 2006, último ano da pesquisa, essa participação era de 45%. Já os 50% menores estabelecimentos, com até dez hectares, abrangiam apenas 2,3% do território rural em 2017.
A pesquisa mostra que o processo de aumento da concentração modificou as condições de trabalho no campo, tornando-as mais difíceis. Isso tem levado muitos trabalhadores a migrarem para os grandes centros, em um processo que se acelerou na última década.
Entre 2006 e 2017, deixou de trabalhar nas lavouras e na pecuária 1,5 milhão de pessoas, incluindo produtores, seus parentes, trabalhadores temporários e permanentes. Um retrato do aumento das dificuldades impostas no campo nos últimos anos é o Índice de Gini, que mede a desigualdade na concentração fundiária. Quanto mais próximo de 1, mais desigual é o território.
Em 2017, o índice no meio rural estava em 0,867, o maior da série história, monitorada desde 1985. Trata-se de uma desigualdade pior do que a registrada na renda das famílias, cujo índice foi de 0,545 em 2018, segundo dados da Pnad Contínua do IBGE.
—Não houve nenhum processo substancial de reforma agrária (no período). Os assentamentos foram muito escassos dentro da imensidão do país — explica o economista Rodolfo Hoffmann, da Esalq/USP, estudioso da desigualdade de renda e no campo há mais de 40 anos.
Em um mercado cada vez mais concentrado, o controle de preços dos produtos por poucos agentes acaba trazendo impacto para o consumidor. Uma vez que, além da terra, o acesso à tecnologia e à mecanização está em grande parte nos latifúndios, são eles que acabam ditando os preços.
— Isso nos deixa mais dependentes de poucos atores, que controlam a formação do preço. Os preços ficam mais voláteis. É muito difícil competir nesse mercado —explica Gustavo Ferroni, coordenador de programas da Oxfam no Brasil, organização que estuda a desigualdade no mundo.
SEM INCENTIVO
Apesar do êxodo rural, ainda são 15,1 milhões na força de trabalho no campo, o correspondente a 16,5% da população ocupada do país em 2017. Bem menos que os 23,4 milhões registrados em 1985. Parte desse contingente, no entanto, se viu forçado a permanecer no campo ou a voltar para a lavoura após ver as condições de trabalho nos grandes centros urbanos ficarem mais precárias com a crise econômica.
— Eu saí daqui, pois tive uma boa oportunidade. Buscava renda na cidade, mas morava na roça. Voltei para a agricultura por causa da crise, mas faltam incentivos do governo. Somos largados. É a gente e a gente, aprendendo a se virar (sem ajuda) — afirma o produtor Pedro Henrique Costa Machado, de 36 anos, que ficou 12 anos longe da agricultura familiar para trabalhar como motorista em Seropédica (RJ).
Na pequena cidade na Região Metropolitana do Rio, a imagem de uma plantação em cada propriedade, comum no início da década passada, foi substituída por um cenário de terra seca e poucos produtores. Rafael Valim, de 25 anos, é um dos sobreviventes. Ele tentou trabalhar fora como motorista de caminhão, mas retornou, em 2015, para a pequena propriedade onde produz hortaliças, após herdar a terra de seus pais. A esperança no futuro da tradição agrícola, no entanto, é pequena.
—Eu acho que a nossa será a última geração. Eu olhava meu pai e falava que não queria ficar no campo. Conheci a vida lá fora, tem conforto, final de semana em casa. Aqui é todo dia e toda hora. É cansativo — afirma ele, que conta com mais cinco funcionários na fazenda.
Com a migração para as cidades, as propriedades familiares vêm diminuindo. Entre 2006 e 2017, o número de estabelecimentos agropecuários classificados nessa modalidade encolheu em 9,5%.
Para Júnia Cristina da Conceição, técnica do Ipea, a queda preocupa, uma vez que a modalidade familiar é responsável por boa parte da produção interna do país. Ela explica que a lei exige que metade da força de trabalho seja de membros da família. Sem isso, não é considerada agricultura familiar, o que impede o acesso a linhas de financiamento específicas.
— A realidade no campo mudou muito nos últimos anos. E a legislação precisa evoluir para acompanhar essas mudanças. Precisamos debater a questão da tecnologia e levar conhecimento para os produtores rurais —defende.
De O Globo