Uma mulher de 46 anos, que trabalhou por cerca de 26 anos como empregada doméstica para uma família em Belém, deverá receber R$167 mil a título de indenização e verbas rescisórias por ser mantida em condições degradantes, sem salário, férias ou qualquer benefício de Previdência Social.
A ação faz parte da Operação Resgate II, de combate ao trabalho análogo à escravidão, realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF); Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Previdência (SIT); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Federal (PF); Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O MPT PA-AP recebeu denúncia de que uma doméstica estava sendo explorada há anos, sem receber salário. A trabalhadora encontrada é natural do município de Muaná, no arquipélago do Marajó. Ela relatou que veio para Belém em 1996, aos 20 anos, para trabalhar como babá. Não tinha salário fixo, em troca de seu trabalho a família oferecia apenas moradia, alimentação, roupas, remédios e algumas quantias, quando ela pedia, em total desacordo com a Lei.
Ainda segundo a trabalhadora, depois de alguns anos, também passou a desempenhar atividades domésticas e, há cerca de um ano e meio, passou a atuar ainda como ajudante de cozinha, de sexta a domingo, no restaurante de um dos filhos da empregadora. Para isso, recebia R$1.400, porém sem registro na Carteira de Trabalho ou garantia de qualquer outro benefício legal.
Condições degradantesDurante a fiscalização, a equipe constatou que a vítima estava alojada em uma espécie de quarto utilizado como depósito pela família. As paredes apresentavam infiltrações e havia mofo, poeira e diversos itens espalhados pelo chão, como malas, roupas e materiais de higiene da casa, sem qualquer tipo de armário para que ela pudesse guardar seus pertences no quarto. O banheiro anexo ao quarto, de igual modo, estava cheio de entulhos, impossibilitando a sua utilização.
“O trabalho escravo doméstico tem uma peculiaridade que é o fato de ocorrer no âmbito residencial, o que dificulta a chegada da denúncia aos órgãos de fiscalização. É importante a sociedade tomar conhecimento dos casos e das consequências da caracterização dessa prática, pois além da repercussão trabalhista, os empregadores poderão responder pelo crime do art. 149 do Código penal”, explicou a procuradora do Trabalho Silvia Silva da Silva, titular da Coordenadoria Regional de Combate ao Trabalho Escravo (Conaete).
Ainda segundo a procuradora, nesses casos “observa-se sempre um discurso falacioso de que a empregada era considerada da “família” e por isso não recebia salários, nem eram garantidos os direitos trabalhistas mínimos previstos na legislação, como CTPs anotada, salário mínimo, repouso semanal remunerado, férias, 13º salário, recolhimentos de FGTS e INSS, dentre outros. Mas a realidade é que são trabalhadoras exploradas, geralmente, analfabetas ou com grau de escolaridade muito baixo e que têm história de vida muito sofrida, e se tornaram vítimas pela extrema vulnerabilidade”, explicou Silvia Silva.
Além do pagamento da indenização por dano moral individual e verbas salariais rescisórias, que totalizaram R$167 mil, se descumprido o acordo haverá cobrança de dano moral coletivo de R$300 mil reais. A empregadora comprometeu-se ainda a formalizar o vínculo empregatício; assinar a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); pagar o salário mensal integral; respeitar os limites constitucionais e legais de duração da jornada de trabalho (8 horas diárias e 44 horas semanais); conceder descanso semanal e férias anuais remuneradas, entre outros pontos previstos na legislação, sob pena de multa de R$ 5 mil, por cláusula descumprida, e de R$ 100 mil por cada trabalhador submetido a condição análoga à de escravo.
O filho da empregadora, dono do restaurante, também assinou um TAC para fins de legalização do vínculo trabalhista e realização dos recolhimentos fundiários e previdenciários, além do cumprimento de obrigações para sanar as irregularidades, sob pena de multa fixa de R$ 10 mil por ponto descumprido e R$ 1.000 por trabalhador prejudicado.
As denúncias de trabalho análogo ao escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br), criado pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Disque 100 ou pelo site do MPT PA-AP (www.prt8.mpt.mp.br). Acesse nossos canais de atendimento remoto aqui