RIO — Na segunda-feira de carnaval, o Ceará será transportado para a Marquês de Sapucaí. E não se trata de exagero: duas escolas, União da Ilha do Governador e Paraíso do Tuiuti, cantarão histórias do estado nordestino no Sambódromo. No caso da tricolor da Ilha, a afirmação ganha tons literais. A agremiação se vestirá de rendas, folhas de carnaúba, redes e um sem-fim de materiais vindos diretamente da terra dos escritores Rachel de Queiroz e José de Alencar, cujas obras serão o fio condutor do desfile.
Apenas do sertão do Cariri, de onde vêm as folhas de carnaúba, são 12 cooperativas e centenas de artesãos envolvidos no trabalho. As redes, feitas especialmente para a escola, são trazidas de Jaguaruana, no Vale do Jaguaribe, perto da divisa com o Rio Grande do Norte. Tem ainda bordados de filé coloridos, flores de palha e descansos de prato de figurinos feitos pelos mais renomados estilistas cearenses para vestir a velha guarda, a comissão de frente e uma das alas.
— Todo o processo, da produção no Ceará à transformação no barracão, está sendo filmado e vai virar um documentário. Eu poderia reproduzir muito material aqui. Mas, como eu conseguiria interpretar à altura o universo descrito na obra de Rachel de Queiroz e José de Alencar? Acredito que isso só seria possível se feito pelos próprios cearenses. Tudo original — prega Severo Luzardo, carnavalesco da União da Ilha.
Do sertão ao litoral
Ele conta que, em quatro viagens ao Ceará, percorreu o estado de uma ponta à outra, da capital a cidades do interior, para costurar o entrosamento — muito mais intenso do que o comum no carnaval — entre a escola e seu enredo. Numa das jornadas, uma frase o inspirou: “O cearense é um povo que luta pelo sorriso e pela felicidade”.
— Estava assistindo a um musical, no escuro, e corri para escrevê-la num pedaço de papel. Não vou apresentar um Ceará vitimizado pela seca, por exemplo. Mas um lugar pujante, que mistura desenvolvimento e tradição. Um dos carros trará as rendeiras e os campos de energia eólica — conta Luzardo.
Artistas cearenses serão homenageados. Em uma das alegorias, a referência será a obra do artista plástico DimBrinquedim. Uma ala homenageará Expedito Celeiro, um dos maiores artesãos de couro do Nordeste, com quem o carnavalesco se encontrou para pedir a bênção antes de desenhar o figurino. Já Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da Associação Brasileira de Literatura de Cordel, ajudou a escola a confeccionar um cordel que conta o enredo, distribuído no Rio e no Ceará. Tanto Expedito Celeiro quanto Seu Gonçalo vão desfilar.
No abre-alas, mais uma criação nordestina: a escultura de São Sebastião foi concebida pelo artista plástico cearense Assis Filho, numa lembrança à lenda do Tesouro de Ipu.
O universo da moda também estará representado. O estilista Ivanildo Nunes, cuja roupa de gala não custa menos de R$ 15 mil, desenhou e confeccionou o figurino da velha guarda. Lindemberg Fernandes assina a fantasia da ala Prata da Casa, enquanto a grife cearense de lingerie da estilista Nayane Rodrigues inspira a ala das Angels, com cem manequins.
— Sinto que todos estão muito orgulhosos da maneira como o Ceará será retratado — diz Luzardo.
Réveillon em Iracema
Em contrapartida, a Ilha tem sido adotada pelos cearenses. O show de réveillon da Praia de Iracema, em Fortaleza, teve apresentação da escola. No evento, a agremiação foi comandada pelo intérprete Ito Melodia, que ganhou da Câmara de Vereadores o título de cidadão da cidade. Já na Feirinha Beira-Mar, o samba da tricolor insulana virou hit, tocado enquanto imagens dos preparativos do desfile são exibidas em telões.
O enredo da escola é “A peleja poética entre Rachel e Alencar no avarandado do céu”. A tricolor será a quarta agremiação a desfilar na segunda-feira de carnaval. Logo depois, virá o Tuiuti, com enredo sobre o bode Ioiô, eleito vereador em Fortaleza nos anos 1920.