O desequilíbrio baseado em cor e raça no Brasil está exposta no estudo “A desigualdade racial no Brasil nas últimas três décadas”, assinado pelo pesquisador Rafael Guerreiro Osório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
A pesquisa detalha que “a renda média dos brancos persiste sendo o dobro da renda dos negros. Somente em 2014, quando a renda média dos brancos chegou a 24 dólares por dia, a renda média dos negros ultrapassou o mínimo histórico dos brancos, de 12 dólares em 1992.”
O estudo assinala ainda: “na maior parte do tempo, a pior renda média dos brancos esteve acima da melhor média dos negros. Apenas em quatro anos, entre 2015 e 2019, a maior renda média dos negros ultrapassou a menor média dos brancos, sem, contudo, chegar aos 13 dólares diários”.
VIOLÊNCIA
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021 traz dados de violência desfavoráveis à população negra. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil 75 são negras. A taxa de homicídio para essa parcela de brasileiros cresceu 31,1% entre os anos de 2007 e 2017, segundo a pesquisa. A título de comparação, esse percentual entre não negros cresceu somente 3,3%.
Outro número que chama atenção é o de mortes de policiais: o anuário aponta que os negros representam 34% do efetivo do Brasil, mas entre os agentes de segurança mortos são 51,7%. Ainda no campo da segurança, o estudo escancara também a violência contra essa população em abordagens policias: 75% das pessoas mortas em intervenções das polícias, entre 2017 e 2018, são negras.
Nas taxas de homicídio referente a mulheres, as negras também são as maiores vítimas: elas acumulam 66% dos casos registrados no ano de 2017. Em uma década, entre 2007 e 2017, os assassinatos contra mulheres negras aumentaram em 29% enquanto que o de não negras chegou a apenas 4,5%. Mulheres afrodescendentes também são as maiores vítimas do feminicídio: 61% das vítimas eram desse segmento, entre 2017 e 2018.
VIDAS NEGRAS IMPORTAM
Os últimos anos foram marcados por episódios contra a população negra que despertaram revolta e escancararam o racismo dentro e fora do Brasil. Em 2020, na cidade de Mineapolis, no Estado norte-americano de Minesota, as imagens do cidadão negro George Floyd sendo morto por asfixia por um policial branco geraram protestos no mundo todo. Em abril desde ano, o assassino Derek Chauvin foi considerado culpado. O assassinato foi o estopim do “Vidas negras importam”, movimento com amplas repercussões sociais e políticas até hoje.
No Brasil, os casos de violência e morte que foram considerados atos racistas por movimentos e autoridades de defesa dos negros não são poucos. Um dos que mais chocaram o país ocorreu com o músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos. Ele morreu e duas pessoas ficaram feridas em uma ação do Exército na região da Vila Militar, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, em abril de 2019.
Ele, a mulher e o filho iam para um chá de bebê quando os militares confundiram a família com bandidos e abriram fogo. O caso levantou o debate sobre a discriminação racial, uma vez que Evaldo era negro. Até hoje o episódio não teve uma solução.
No ano passado, na véspera do Dia da Consciência Negra, no dia 19 de novembro, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado e morto por dois seguranças brancos em um supermercado Carrefour, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A morte foi registrada por câmeras e as imagens circularam por todo o Brasil, gerando uma onda de protestos, principalmente, em redes sociais.
Após pressão da opinião pública, a rede de supermercados pagou R$ 1 milhão em indenização para Milena Alves, viúva de João Alberto. O pagamento ocorreu em abril deste ano, quase seis meses depois da morte. A empresa fez ainda um depósito de R$ 100 mil extras diretamente para gastos mais urgentes.
O Brasil de 2021 vive ainda debates institucionais tensos sobre racismo, que vão além da violência física e da estatística criminal. Um deles se concentra em uma das entidades de grande relevância na defesa de direitos e da cultura afro-brasileira: a Fundação Palmares. A entidade é presidida atualmente por Sergio Camargo, aliado do presidente Jair Bolsonaro. Camargo é declaradamente contrário ao ativismo antirracista e já chamou militantes de “afro-mimizentos”.
Em um país marcado pela desigualdade racial, registra por estatísticas extraídas de estudos científicos, a postura de Camargo é, no mínimo, incompatível com a função do cargo de presidente em uma instituição dessa relevância com um nome que remete a uma resistência histórica da luta por direitos e igual dos negros no Brasil.