Ao pensar em um documentário que se debruce na relação entre religião e pessoas LGBTQ+, uma expectativa mais natural seria esperar um discurso frontal e explícito da obra – seja pendendo para o lado de uma abordagem combativa e de denúncia ou para algo mais edificante e panfletário. “As Cores do Divino”, filme cearense dirigido por Victor Costa Lopes, prefere dar vazão a diferentes possibilidades de discurso ao se basear em nove blocos de entrevistas com personagens distintos entre si, tanto em termos de gênero e orientação sexual, mas também de credo, tipo de relação religiosa e até abertura para tratar da religião, da sexualidade e da intersecção entre elas. Desta maneira, o documentário não apenas “fala” sobre o assunto, mas empreende a delicada tarefa de se constituir enquanto espaço de escuta.
Em termos de forma, “As Cores do Divino” é bastante simples – pode-se dizer até mesmo antiquado – na medida em que aposta num modelo clássico de documentário calcado nas “talking heads” ou “cabeças falantes”, forma de entrevista mais tradicional. A escolha acaba se mostrando acertada quando, mais do que por qualquer arrojo de forma ou estética, a força motriz da obra se encontra justamente na afirmação que ela faz de si enquanto um filme de conteúdo e de discursos – no plural.
Cada personagem é apresentada em um bloco independente, que se resolve e se encerra em si mesmo, nunca retornando e tendo participação restrita àquele momento. Essa estrutura imprime uma qualidade de errância, a partir da qual o filme oferta relances de cada narrativa, sem pretensão de definições ou respostas limitantes – e muito porque as narrativas de si divididas na câmera, repletas de questões, delicadezas, problemáticas e superações, carregam marcas fortes de pessoalidade e intimidade de cada vivência específica.
Algumas experiências contadas despontam pela peculiaridade, enquanto outras têm pontos de aproximação bem marcados. Há depoimentos conflitantes em si mesmos e também diálogos sugeridos pela montagem, como entre Melissa, uma travesti candomblecista que usa roupas masculinas nos rituais por se sentir mais confortável daquela forma, e Dário, também do candomblé, que tensiona o binarismo de gênero da crença. O documentário não defende uma posição ou outra, mas dá espaço para ambas. Assim, se reforça enquanto filme de discursos – no plural – justamente por abrir espaço para tanto.
Com pequenas “quebras” do formato mais clássico, o documentário insere sequências pontuais onde diretor e equipe aparecem no plano, seja sonora ou visualmente. Não são mostrados somente os momentos de captação “oficiais” das entrevistas, mas muitas vezes parte dos percursos que as antecedem ou sucedem – da chegada no local marcado em um carro ao acompanhamento do café passado pelos anfitriões-personagens para ser servido durante a conversa – ou inserções que revelam os bastidores, como ajustes de microfonagem antes de uma entrevista começar a “valer”.
Essas marcações pontuais não criam relações mais fortes ou profundas entre conteúdo e forma, mas ajudam a alçar o filmar para outro lugar. A presença da equipe, dos bastidores e de momentos que facilmente poderiam ser cortados do resultado final acabam por agregar ao filme na medida em que ajudam a estabelecer a atmosfera de abertura e interesse da obra por cada fala e história dividida. A partir de todos esses mecanismos e escolhas cinematográficas, “As Cores do Divino” busca abrir reflexões, humanizá-las, mostrar que há muitas possibilidades a serem experienciadas e que cada indivíduo traz consigo as suas.
As Cores do Divino
Gratuito no Youtube em embaubafilmes.com.br
Gratuito até 12/7.
A partir de 13/7, segue para locação no site da Embaúba e outras plataformas