Depois de um hiato de dois anos, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) voltou à edição presencial com uma celebração à primeira mulher a publicar um romance no Brasil, livro pioneiro da temática abolicionista. Maranhense de São Luís e professora de primeiras letras em Guimarães, Maria Firmina dos Reis, autora de “Úrsula” (1860), era uma mulher negra, filha de uma alforriada, cuja obra vem sendo resgatada com reedições e estudos de fortuna crítica em todo o país. Essa é a primeira vez, em 20 anos de festa, que uma mulher negra é a autora homenageada.
— Firmina criou nosso primeiro texto de liberdade — disse Fernanda Miranda, doutora em Letras pela USP e parte do grupo de editoras da “Revista Firminas”. — Ela é pioneira da ideia do que é ser livre, ainda que num território de colonialidade. Ainda que tudo diga “não”, ela disse “sim”.
Doutora em História pela Unicamp e professora da Universidade de Brasília, Ana Flávia Magalhães Pinto ressaltou que é um marco também pelo fato de que é a primeira vez em que os personagens negros, com a escrava Susana, tema central do capítulo nove, aparecem como sujeitos ativos da história.
— Susana surge não para fazer parte do cânone da literatura brasileira, mas para reproduzir narrativas orais que ajudam a criar personagens negros nos livros — disse a Ana.
A mediação da mesa ficou a cargo da jornalista cultural Adriana Couto, apresentadora do programa “Metrópolis”, da TV Cultura. As três são mulheres negras, fato celebrado em diversos momentos da conferência.
— A mesa de abertura formada por três mulheres negras aqui mostra que esse enfrentamento ainda é necessário neste tempo. Precisamos desnaturalizar a ideia do nosso não-lugar — disse Ana Flávia, aplaudida de pé pelo auditório lotado.
Antes e depois do bate-papo, a plateia se empolgou com apresentações de poetas contemporâneas, como Midria. Ela leu o poema “Uma tarde em Cumã”, da homenageada do ano, e a Slam das Minas SP, ao fim, declamou versos autorais inspirados na obra da maranhense, que também escreveu crônicas, poesias e músicas populares. As cinco jovens terminaram a apresentação pedindo que escritoras como Firmina, Carolina Maria de Jesus e Stella do Patrocínio não sejam esquecidas.