A Festa Literária Internacional de Paraty vai homenagear uma escritora negra pela primeira vez em sua história de 20 edições, na figura da pioneira autora maranhense Maria Firmina dos Reis.
É o que anunciaram os curadores da festa deste ano, Fernanda Bastos, Milena Britto e Pedro Meira Monteiro, ao lado do diretor artístico da Flip, Mauro Munhoz, na manhã desta terça-feira.
“Foi uma autora esquecida no cânone que hoje é pesquisada principalmente por mulheres”, diz Bastos, apontando que o gancho da edição deste ano é “ver o invisível”. “A Flip ainda é uma instância de consagração, por isso queremos sugerir um outro século 19, uma outra Independência”, diz Meira Monteiro.
A curadoria do mais prestigioso festival literário do país, que vai até o domingo seguinte, também detalhou os convidados que vão compor a programação deste ano —incluindo o maior nome divulgado até agora, o da francesa Annie Ernaux, uma das principais referências da literatura contemporânea mundial.
Popularizada no país por três livros que a editora Fósforo lançou desde que abriu as portas — “O Lugar”, “Os Anos” e “O Acontecimento”—, a escritora de 82 anos participará de uma mesa no sábado ao lado da brasileira Veronica Stigger. Mais dois títulos da autora, aliás, sairão pela casa até o final do ano.
A edição também é marcada por uma ampla dominância feminina, mais que o dobro da masculina: há 25 mulheres confirmadas na programação, contra nove homens.
Outras presenças internacionais de destaque incluem a antropóloga francesa Nastassja Martin, autora do cultuado “Escute as Feras”, da editora 34; o chileno Benjamín Labatut, do inclassificável “Quando Deixamos de Entender o Mundo”, da Todavia; e a cubana Teresa Cárdenas, voz central da literatura negra latino-americana, que publica pelas independentes Pallas e Figura de Linguagem.
A festa deste ano também terá um olho vivo para as artes plásticas, com uma celebração da carreira da fotógrafa Claudia Andujar, cujo trabalho junto aos yanomamis marcou história no país, no horário nobre da sexta à noite. “É uma das inovações deste ano, homenagear um artista vivo”, diz Munhoz, diretor da Flip, que ainda não confirma a presença de Andujar no evento.
Outros artistas visuais se espalham pela programação, como a transgressiva Lenora de Barros, a quadrinista Fabiane Langona, que publica tiras neste jornal, e o poeta Ricardo Aleixo, que mistura arte multimídia a sua literatura.
O mineiro puxa uma programação forte de escritores brasileiros de projeção ascendente, numa lista que inclui ainda Carol Bensimon, Cidinha da Silva, Geovani Martins e Amara Moira.
Moira se junta à já anunciada Camila Sosa Villada, de “O Parque das Irmãs Magníficas”, numa seleção atenta à grande literatura produzida por pessoas trans. Também já haviam sido divulgados os nomes da americana Saidiya Hartman, de “Perder a Mãe”, que divide mesa com a também antropóloga Rita Segato, argentina radicada no Brasil; e da brasileira Cida Pedrosa, vencedora do Jabuti por “Solo para Vialejo”.
A escritora pernambucana exemplifica como a programação deste ano busca escapar à fadiga do eixo literário do Sudeste —algo que se materializa também na presença da baiana Luciany Aparecida, do paraibano Christiano Aguiar, da paraense Nay Jinknss e dos gaúchos Eduardo Sterzi e Luiz Mauricio Azevedo.
O foco na diversidade geográfica, somado às dificuldades de captação de recursos pelo estrangulamento da Lei Rouanet, culmina em uma edição com menor presença internacional. Até agora são dez autores estrangeiros confirmados, contra 13 das duas edições presenciais anteriores, em 2018 e 2019.
Também é uma festa mais enxuta como um todo, por enquanto, com apenas 17 mesas confirmadas ante uma regra geral de cerca de 20 encontros na programação principal —vale manter em mente que mais mesas ainda podem ser divulgadas nos próximos meses.
O ingresso para cada mesa da Flip também encareceu, alcançando até R$ 120. Na última edição presencial, há três anos, era preciso desembolsar R$ 55 para entrar.
Outra tendência recente mantida na Flip é a de dissolver a programação em nomes publicados por casas menores e abrir espaço não só à diversidade racial e de gênero, mas também à editorial. Dos nomes internacionais divulgados, nenhum está no prelo das gigantes Companhia das Letras e Record e apenas um está na Todavia, outra que costumava dominar as importações do festival.
A prevalência dessas casas aumenta na seleção de autores brasileiros, mas se mistura à boa presença de editoras que fazem um trabalho com requinte artesanal, como a Relicário, a Malê, a Macondo, a Cepe e a Paralelo13s, entre diversas outras, numa lógica que também quer fugir ao eixo Rio-São Paulo. Editoras de porte como Intrínseca, HarperCollins e Rocco não estão representadas.
A Flip encara o desafio de voltar a ter uma edição presencial de peso após dois anos de festas virtuais, tendo abandonado pela primeira vez a tradicional figura do curador e do homenageado em 2020 e, no ano seguinte, elegendo uma curadoria coletiva que decidiu fazer uma festa temática sobre plantas e florestas.
Agora que a festa volta a aproximar leitores e autores em Paraty, enfrenta outros tipos de contratempos, como a extemporânea Copa do Mundo de futebol, que acontece em paralelo à programação da festa, e o fervor político nacional, que dificilmente arrefecerá entre as eleições e a posse presidencial em janeiro.
Veja a seguir toda a programação divulgada até agora.
QUARTA, 23.NOV
19h
Mesa 1: Pátrios lares
Homenagem: Maria Firmina dos Reis
Fernanda Miranda
Ana Flávia Magalhães Pinto
QUINTA, 24.NOV
10h30
Mesa 2: Minha liberdade
Homenagem + Independência (Maria Firmina dos Reis)
Lilia Schwarcz
Eduardo de Assis Duarte
12h
Mesa 3: O brando leque do gentil palmar
Teresa Cárdenas
Cida Pedrosa
19h
Mesa 4: O corpo de imagens
Lenora de Barros
Ricardo Aleixo
Patricia Lino
20h30
Mesa 5: A festa das irmãs perigosas
Camila Sosa Villada
Luciany Aparecida
SEXTA-FEIRA, 25.NOV
10h30
Mesa 6: Ainda longos combates
Allan da Rosa
Eduardo Sterzi
12h
Mesa 7: Risco e transformação
Cecilia Pavón
Fabiane Langona
15h30
Mesa 8: O que deixaram para adiante
Ladee Hubbard
Geovani Martins
17h
Mesa 9: E se eu fosse
Amara Moira
Ricardo Lísias
19h
Mesa 10: Do mal que tu me deste…
Benjamín Labatut
Luiz Mauricio Azevedo
20h30
Mesa 11: Livre e infinito
Mesa com Artista em Destaque: Claudia Andujar
Nay Jinknss
SÁBADO, 26.NOV
10h30
Mesa 12: Mesa Zé Kleber
12h
Mesa 13: A literatura em que habito
Bessora
Carol Bensimon
Prisca Agustoni
15h30
Mesa 14: Diamante Rubro
Annie Ernaux
Veronica Stigger
17h
Mesa 15: Desterrando o susto
Nastassja Martin
Tamara Klink
19h
Mesa 16: Entrar no bosque de luz
Saidiya Hartman
Rita Segato
DOMINGO, 27.NOV
10h30
Mesa 17: Encruzilhadas do Brasil
Cidinha da Silva
Cristhiano Aguiar