Governadores reagiram às bravatas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao preço dos combustíveis.
“Eu zero o [imposto] federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?”, disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada nesta quarta-feira (5).
A proposta não foi bem recebida nos estados.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB) qualificou a proposta de irresponsável.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, também criticou a posição do presidente.
“Sou a favor da redução de impostos. Mas não sou irresponsável. Peguei um estado quebrado, com rombo de R$ 34,5 bilhões. Nesse momento, Minas não pode abrir mão de arrecadação. É triste, mas a realidade é essa”, disse ele em seu perfil no Twitter.
Por meio de nota, o governador do Maranhão, de Flávio Dino (PC do B), disse que aguarda deliberação do Congresso Nacional diante da proposta do governo Bolsonaro para reforma tributária no Brasil.
O governador Reinaldo Azambuja (PSDB), do Mato Grosso do Sul, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “o caminho para tratar a questão do ICMS dos combustíveis deve ser feito pelo diálogo”.
“Os 27 governadores defendem que a proposta é acelerar a Reforma Tributária que avalia a substituição dos PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A matéria tramita no Congresso Nacional e prevê a tributação para União, Estados e municípios em um único imposto. Desta forma, simplifica a arrecadação, facilitando o gerenciamento para a Administração Pública, além de desonerar a população brasileira. Estamos atentos ao debate desta questão, e sabendo da necessidade de diminuir a carga tributária brasileira, estamos prontos para sentar com o Governo Federal e encontrar a melhor solução”, afirmou.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), afirmou ao Painel da Folha que a declaração de Bolsonaro “é um blefe”.
Segundo Casagrande, Bolsonaro “sabe que não tem como executar” e, por isso, “cria uma discussão superficial, sem amparo nos números reais”.
“Não podemos produzir factóides para enfrentar factóides, temos que ter responsabilidade com a população”, afirmou Casagrande à coluna.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), também criticou a forma como Bolsonaro tratou o assunto e disse que diante de aumento de despesas dos estados, “não é lógico, não é sensato” reduzir “abruptamente” o imposto e que o estado trabalha por uma redução “planejada, estruturada”.
“A forma como esse debate está se travando, pela imprensa, por declarações e redes sociais, que não é o formato para quem quer resolver o assunto. Se nós queremos resolver o assunto sobre o imposto sobre combustíveis, sentemo-nos, conversemos para efetivamente resolver”, disse o governador Eduardo Leite (PSDB) durante uma reunião-almoço com empresários da Câmara de Indústria e Comércio (CIC), de Caxias do Sul, na serra gaúcha, nesta quarta-feira (5).
Questionando a sugestão de Bolsonaro, Leite citou o aumento de despesas, como o do piso do magistério, reajustado em 12,8%, que gera um gasto adicional de R$ 350 milhões aos cofres gaúchos, inflação de 4% e a economia que cresceu apenas 1%.
“De outro lado, governo federal quer que nós reduzamos abruptamente o ICMS sobre os combustíveis? Não é lógico, não é sensato. Nós estamos trabalhando para fazer redução de carga tributária de forma planejada, estruturada, sem comprometer a prestação de serviços à população Nós clamamos por um debate responsável nos fóruns adequados”, disse o tucano.
Já o governo de Santa Catarina afirmou que, enquanto o ICMS da gasolina no Brasil varia de 25% a 34%, o estado adota o percentual mais baixo, de 25%, “desde que o imposto foi criado”, em 1988.
O governador catarinense, Carlos Moisés (PSL), subscreveu minuta dos governadores onde pedem “por um debate responsável acerca do tema” e criticam a “forma como o tema foi lançado pelo Presidente da República, exclusivamente por intermédio das redes sociais”.
A reportagem procurou o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), mas não teve retorno até o fechamento desta matéria.
Mendes, no entanto, também assinou a carta dos governadores em resposta à proposta de Bolsonaro de que os governadores acabem com o ICMS. No documento, eles lembram que o ICMS está previsto na Constituição “como principal receita dos Estados para manutenção de serviços essenciais à população” e que 25% da arrecadação é repassada aos municípios.
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), também reagiu às declarações de Bolsonaro. Ele classificou como demagógica a proposta e disse que o presidente age com provocação, falta de seriedade e quer “fazer cortesia com o chapéu alheio”.
“[O governo Bolsonaro] tem o vírus da intolerância, o vírus da provocação, o vírus da falta de seriedade na tomada de decisões”, disse o governador durante uma transmissão ao vivo na internet.
Costa ainda afirmou que o governo federal deveria atuar para descentralizar a arrecadação de tributos e aumentar a fatia dos estados e municípios, que são responsáveis por serviços como saúde e educação.
O petista ainda disse que o presidente deveria avaliar a isenção de PIS e COFINS de setores como a distribuição de água. E destacou que, apenas em 2019, a Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento) pagou cerca de R$ 300 milhões ao governo federal em tributos.
“O governo tira dinheiro de uma região de semiárido, de um estado pobre, para levar para o caixa do governo federal. […] É um dinheiro que os estados poderiam usar para ampliar a rede de abastecimento ou baratear o preço da água”, disse Costa.
O secretário de estado de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Claudio de Carvalho, disse que a proposta é inviável. “O combustível representa quase 13% do ICMS do estado do Rio. São recursos absolutamente fundamentais para que o estado possa prover minimamente a liberação de serviços à população, educação, segurança, etc” afirmou.
“Para a União, a sugestão do presidente é zerar lá e aqui. Para zerarmos aqui, perdemos 13%, para ele, não tenho exato, mas é 0,0 alguma coisa % da arrecadação deles. O peso no ICMS aqui é muito maior do que para a União”, disse Carvalho.
Segundo ele, o Rio de Janeiro não conseguiria se manter sem a arrecadação sobre os combustíveis. “Em valores absolutos, arrecadação de combustíveis representa 5 bilhões de reais. Esse é o que aplicamos em saúde. Significa aplicar todo recurso aplicado em 2019 e abrir mão, ou seja, zerar a saúde, não aplicar nenhum real na saúde, isso que representa zerar a alíquota sobre combustíveis.”
O presidente tem protagonizado uma queda de braço com os governadores sobre o preço da gasolina. Bolsonaro se queixa que, mesmo com reduções dos preços nas refinarias, o valor dos combustíveis não tem baixado para os consumidores.
No domingo (2), o presidente anunciou nas redes sociais projeto para mudar a cobrança do ICMS sobre os combustíveis. Bolsonaro disse que a proposta deve estabelecer que o ICMS tenha um valor fixo por litro. Nesta quarta, disse que suas afirmações não são uma briga com os estados.
“Pelo menos a população já começou a ver de quem é a responsabilidade. Não estou brigando com governadores.
O que eu quero é que o ICMS seja cobrado no combustível lá na refinaria, e não na bomba. Eu baixei três vezes o combustível nos últimos dias, mas na bomba não baixou nada”, disse.
Nesta quarta, a Petrobras anunciou o quarto corte do ano nos combustíveis. A gasolina nas refinarias cairá, em média, 4,3%. O diesel, 4,4%.
Os cortes acompanham a queda das cotações internacionais do petróleo. As vendas de curto prazo do óleo para a China ficaram praticamente paralisadas nesta semana, à medida que o surto de coronavírus reduz a atividade econômica e a demanda por combustíveis, pressionando preços para baixo.