Há cerca de um mês, indígenas resistem em área de mais de 530 mil hectares, nas regiões norte e sudeste do Maranhão, perto da divisa com o Pará, ao avanço e ataques de grupos de madeireiros e mineradores. No dia 27 de janeiro, o Conselho de Gestão Ka’apor emitiu um comunicado público de autodefesa e montou guarda em dois acessos à região, que comporta a última área de floresta da Amazônia oriental homologada como território indígena em 1982. Por ser a maior, mais extensa e a única faixa contínua de floresta na última área da Amazônia oriental é muito cobiçada pelos projetos da fronteira agrícola e do agronegócio.
No texto, eles manifestam solidariedade a todos os povos em resistência no Brasil e mandam um recado: “Nós, povo Ka’apor, queremos ser solidários aos parentes Awá, Kaiowá, Parakanã, Arara, Yanomami, Xavante, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau e outros que agora estão sendo perseguidos, ameaçados, e [têm tido] seus territórios invadidos. Queremos dizer, parentes, que não vamos aceitar esses ataques, nem ficar dependendo de governo que só mente para nós, e esperar pela burocracia deles para proteger a gente e nossos territórios”, diz trecho do manifesto.
É também nessa área do território, que abrange pelo menos cinco municípios do Maranhão, que madeireiros escoam toda a madeira extraída ilegalmente na região. Os ânimos se acirraram mais ainda no final de janeiro, quando a Justiça Federal aceitou a denúncia do MPF contra 22 envolvidos no transporte de madeira ilegal. A promotoria chamou de “organização criminosa” e identificou que o grupo pagava propina para policiais rodoviários federais, que participariam do esquema.
“De acordo com as investigações, havia um grupo de pessoas que atuavam como facilitadoras do transporte de cargas de madeira clandestina no Maranhão; esses intermediários entravam em contato com os policiais rodoviários federais participantes do esquema no posto da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Santa Inês (MA), para combinar a passagem de caminhões carregados sem a fiscalização, mediante o pagamento de propina”, diz trecho da nota da Justiça Federal.
Os envolvidos responderão pelos crimes de organização criminosa, transporte ilegal de madeira, obstrução da ação fiscalizadora ambiental, corrupção passiva e receptação qualificada. O caso encerra um capítulo iniciado em novembro de 2018, com a operação Via Perditionis, envolvendo MPF (Ministério Público Federal), PF (Polícia Federal) e Corregedoria da PRF.
A resistência aos avanços dos madeireiros, bem como as reiteradas denúncias aos órgãos fiscalizadores e de proteção, renderam às lideranças indígenas e indigenistas pelo menos ininterruptos 6 anos de perseguições, ameaças e até mesmo um assassinato, ocorrido em 2015. O líder indígena Euzébio Ka’apor foi assassinado em abril daquele ano. Na ocasião, durante depoimentos que investigavam o crime, um conhecido de um dos suspeitos disse ter ouvido que o alvo era outra pessoa, também ligada à reserva onde vive a etnia Ka’apor, o que levou a crer que havia uma sistematização do desejo de exterminar os povos daquela região, que seria muito lucrativa para exploração de madeira e outros recursos.
Em julho de 2016, indígenas que vivem na Aldeia Ximborenda publicaram uma carta aberta à sociedade civil denunciando a invasão e desmatamento do território e já sinalizando a tensão permanente nessa disputa e até assassinatos realizados por grupos armados. “Mataram cinco lideranças, agrediram e atiraram em nossos guardas florestais, invadiram duas aldeias, madeireiros sequestraram um de nós, estão ameaçando matar mais de oito lideranças e apoiadores de nossa luta em defesa de nosso território. Tudo isso denunciamos para os órgãos do Estado, para Funai, IBAMA, para Polícia Federal, MPF em São Luís (capital do Maranhão) e para relatora da ONU (Organização das Nações Unidas) em Brasília”, diz trecho do manifesto.
Pelo menos quatro lideranças indígenas estão no programa de proteção estadual e sendo acompanhados pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, que confirmou a tensão no território, mas optou por deixar que os Ka’apor falassem.
Atualmente vivem no local cerca de 12 a 15 grupos de famílias que se organizam em aldeias e as chamadas Áreas de Proteção Ka’apor. De acordo com uma pessoa que há anos trabalha com a etnia ka’apor, mas que prefere não se identificar, há uma desarticulação do grupo indígena, que acabou dividindo a forma de gestão do local. O comando hoje é feito por uma associação indígena coordenada pela Funai, responsável por quatro aldeias locais, e o Conselho de Gestão Ka’apor, que acompanha quatro aldeias e seis áreas de proteção.
Na visita feita pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), a primeira in loco depois de mais de 20 anos, em novembro passado, a delegação colocou como prioridade a questão dos conflitos de terra e os grupos indígenas. No relatório final, chegou a definir como “urgente” essas questões de território. “As violações de direitos reiteradas contra as populações indígenas, que sofrem frequentes episódios de violências e desatendimento por serviços públicos, além de enfrentarem dificuldades e obstáculos crescentes para a demarcação de suas terras e dificuldades apresentadas pela tese do marco temporal”, diz o item 18 do documento que traz 26 observações.
O relatório anual do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), publicado no segundo semestre do ano passado, traz dados referentes a 2017 e aponta 110 “mortes em decorrência de agressão”. Dessas, pelo menos três assassinatos aconteceram no Maranhão.
A Ponte – Maria Tereza Cruz