Lançamento de memórias e de crítica, além de edição especial da obra mais polêmica, são homenagens ao autor.
José Saramago nasceu na pequena aldeia portuguesa de Azinhaga, no dia 16 de novembro de 1922, filho de pais camponeses sem terra que dois anos depois decidiram se mudar para Lisboa. A dificuldade financeira os acompanhou na capital, onde José, bom aluno, seguiu os estudos, formou-se serralheiro mecânico, trabalhou em oficina de automóveis, metalúrgica e escritório até ingressar numa editora, nos anos 1950, para trabalhar na área de produção. Àquela altura, ele já tinha tentado, sem sucesso, escrever algumas coisas – ele descobriu a literatura cursando a escola técnica.
Depois da editora, o rumo da história muda para Saramago. Ele começa a traduzir e a fazer críticas literárias, publica seus poemas e passa a escrever mais. Muito mais. Levantado do Chão, Memorial do Convento, A Jangada de Pedra, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Ensaio Sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte, A Viagem do Elefante. A lista é longa e lhe valeria reconhecimento internacional, o Prêmio Camões em 1995 e o Nobel de Literatura em 1998. Hoje, no dia do seu centenário, Saramago é celebrado com novos livros. •
Mergulho interior Em ‘A Intuição da Ilha’, Pilar conta histórias de Saramago e bastidores de seus últimos livros
As ideias, de um novo livro, de uma mudança de rumo, surgiam para José Saramago com um ‘e se’. Em 1992, Pilar Del Río, sua mulher, foi surpreendida com um “E se fôssemos morar em Lanzarote?” Saramago estava aborrecido com o governo português, que tinha tirado O Evangelho Segundo Jesus Cristo de uma lista de livros que representariam a nova literatura portuguesa na Europa. Lançado no ano anterior, ele vinha causando polêmica, mas o gesto arbitrário do governo de Cavaco Silva foi decisivo para Saramago se afastar. E recomeçar.
Essa história é contada por Pilar na crônica A Polêmica Que Acelerou o Tempo, uma das primeiras de A Intuição da Ilha: Os Dias de José Saramago em Lanzarote. O volume traz passagens marcantes dos 18 anos que o Nobel de Literatura viveu na ilha vulcânica do arquipélago espanhol das Canárias. Um livro de histórias, de memórias e um livro que mostra, sobretudo, como a mudança para um lugar isolado permitiu que Saramago se voltasse ao que era realmente essencial, reconhecesse o céu da Azinhaga da sua infância e produzisse alguns dos seus melhores livros.
“A ilha permite ver sem ser contaminado por modas, modos, interesses de um ou de outro. À ilha chegam vozes, mas não chegam barulhos. Por isso Saramago pôde escrever tantos livros na última fase de sua vida”, comenta Pilar em entrevista ao Estadão.
A ideia de reunir essas lembranças não foi dela. Com saudades de Saramago, os funcionários da Casa, o museu no qual sua residência foi transformada em 2011, começaram a pedir, na pandemia, que ela compartilhasse passagens e curiosidades. História vai, história vem, pelo Zoom, pelo Whatsapp, e Alba, uma dessas funcionárias, dona de uma editora na ilha, pede para publicá-las em livro.
“Foi um trabalho gostoso de recuperação da memória – mas, ao começar a escrever achei que precisava de algo mais. E esse algo é por que surgem os livros escritos em Lanzarote. Por que Ensaio Sobre a Cegueira, por que A Viagem do Elefante, As Intermitências da Morte?”, comenta. “Então revelo coisas que ninguém sabia. Ninguém sabia que Saramago recebe um prognóstico médico e em vez de ficar ‘oh, que horror, tenho leucemia’ ele escreve As Intermitências da Morte. Isso está contado no livro.”
Há ainda lembranças dos inúmeros amigos que visitaram o escritor na ilha, o cotidiano, a incumbência dele de comprar pão, o dia do Nobel e muitas outras histórias que aproximam leitor e escritor em seu centenário de nascimento – e nos 12 anos de sua morte (lembrados no dia 18 – e tema também de um dos textos).
LEGADO.
Tem sido um ano de boas notícias acerca de seu legado, incluindo eventos e até livros infantis. Aos lançamentos recentes, soma-se agora As Artemages de Saramago, com ensaios escritos ao longo do tempo, e reescritos agora, por Leyla Perrone-moisés. “Uma coletânea de admiração e afeto. Admiração pelo escritor, afeto pela pessoa”, como ela diz na apresentação. E também uma edição especial, em capa dura e com nova apresentação de Andréa Del Fuego, de O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que chega às livrarias em dezembro – todos pela Companhia das Letras.
Já a Rua do Sabão lança, nos próximos dias, De Memórias Nos Fazemos, escrito pela única filha de José Saramago, Violante, com suas histórias e reproduções de correspondências. •