As gémeas conheceram a cidade do pai pela primeira vez. Encantaram-se com palavras novas, castelos e coches de verdadeiras princesas. Não gostaram das beatas, nem do nevoeiro.
“Eu sei: é baleia!”, responde, confiante, Carolina, à pergunta do pai, antecipando-se a Mariana, a irmã gémea 20 segundos mais velha. Mas perante o riso do inquiridor, a confiança esfuma-se e logo se transforma numa expressão de inquietação por sentir ter, afinal, errado. A pergunta tinha sido “alguém sabe como se diz “carona” em português de Portugal?”.
Como sempre, as diferenças entre portugueses e brasileiros começam por notar-se naquilo que supostamente mais os une, a língua. E ao longo de uma visita de dez dias a Lisboa, a cidade onde o pai delas nasceu e a mãe, natural do Brasil, morou por onze anos, o encantamento das duas crianças nascidas há sete anos no “novo mundo” começou, inevitavelmente, pelas palavras.“”Giro” é a palavra mais “legal””, diz uma. A outra inverte: “O mais “legal” é a palavra “giro”.” Mas nesta espécie de viagem de Pedro Álvares Cabral ao contrário, Mariana e Carolina hão de encantar-se com muito mais do que jogos de palavras.
A família – afinal conheceram os três únicos primos direitos de uma vez – foi outro motivo de arrebatamento. Principalmente a prima Eva, que mesmo tendo apenas dez anos, como é natural nestas idades foi vista pelas gémeas como alguém muito mais experiente, com uma imensidão de novidades do “velho mundo” para partilhar e o conhecimento profundo de brincadeiras sofisticadíssimas e “legais” – “giras”, portanto.
Ainda para mais, a prima fala – outra vez a linguagem – como os reis e as rainhas que Mariana e Carolina só conhecem das personagens históricas das séries ou telenovelas brasileiras. “Ela disse “adoro-vos”, é uma palavra linda”, diz Mariana. “Sim, soa mais bonito do que “eu adoro vocês”, como nós dizemos”, concorda Carolina.
“Ela disse “adoro-vos”, é uma palavra linda”, diz Mariana. “Sim, soa mais bonito do que “eu adoro vocês”, como nós dizemos”
Com o decorrer dos dias em Lisboa, as gémeas passam a usar “casa de banho”, em vez de “banheiro”, e “comboio”, em vez de “trem”. E, por falar em meios de transporte, em Portugal as duas estrearam-se num elevador, o da Bica, num tuk-tuk, que os lisboetas já não suportam mas que os turistas, ainda para mais as crianças, adoram, e até no metro, porque no Brasil moram numa cidade de médio porte, Ribeirão Preto, desprovida de “metrô”, assim mesmo, com acento circunflexo.
Os meios de transporte têm na paisagem de Lisboa, aliás, um efeito secundário: por ser antiga, a capital portuguesa cresceu sob o império dos pedestres, as pessoas e os cavalos que as transportavam, gerando vielas e becos very tipical. Por oposição às cidades do país sul-americano, que evoluíram já na era da gasolina, por ruas e avenidas automobilísticas, intermináveis, espaçosas.
O espaço – outro fator que distingue o pequenino Portugal do imenso Brasil – reflete-se, entretanto, numa das paisagens que mais causou interesse nas brasileiras Mariana e Carolina. “Adorei os prédios coladinhos uns aos outros, fica muito mais “giro””, disse a segunda. No Brasil, os edifícios são frações autónomas umas das outras, sem contacto físico entre si, criando uma espécie de fila de hotéis, com receção 24 horas por dia e até nome próprio.
A certeza de que em Lisboa os carros param sempre que se aproxima uma passadeira – “em Ribeirão Preto, depende do humor do condutor”, lembra Mariana – e a beleza dos azulejos – a professora já as tinha alertado para tirar o máximo de fotografias da azulejaria portuguesa – impressionaram-nas. E a calçada, com os seus finos desenhos – “devia haver no Brasil todo”, diz Carolina – também.
Nas tais calçadas, que por causa de tantas caminhadas passaram a tratar por tu (ou por você), encontraram, porém, o maior senão da cidade natal do pai. “As muitas, muitas “bitucas” (beatas) de cigarro.” “Praticamente o único lixo que vimos”, constataram. Através desse inocente trabalho de campo terão chegado a uma conclusão muito científica: em Portugal fuma-se mais do que no Brasil.
Outro defeito? “Os dias nublados!” E só. Porque o frio – menos uns 20 graus em relação ao que estão habituadas em fevereiro – não foi problema, pelo contrário, foi novidade, descoberta, atração, divertimento.
“Há mais velhinhos em Lisboa”, disse, a dada altura, uma delas, numa despretensiosa mas certeira análise demográfica. “E parecem distraídos, silenciosos”, acrescentou a outra, descrevendo, à sua maneira, a suave melancolia dos lisboetas – tão rara nos brasileiros.
Detalhes, como o tamanho dos cães, também chamaram a atenção: no Brasil, os cachorros de apartamento são todos de raças pequeninas. “Em Portugal, há cães do tamanho de dinossauros dentro das casas!”
Esquisitas a comer, não experimentaram os tantos sabores da extraordinária gastronomia portuguesa para desgosto do pai – embora a Mariana tenha conhecido as “azeitonas explosivas” do chef José Avillez. E sentiram falta de feijão, que no Brasil acompanha quase tudo.
Para elas, de um país jovem, castelos e palácios não são coisas deste mundo e sim de cenário de filmes, como A Bela Adormecida, a Branca de Neve ou a Cinderela
Nas televisões, recomendaram aos apresentadores falar mais devagar, um pedido que fazem ao pai com frequência, e cansaram-se de tanto futebol, não o jogado, porque até foram alegremente ao estádio, mas o falado. E elas são de um país pentacampeão do mundo que se autointitula “país do futebol”.
Voltando à rua, no Castelo de São Jorge, com suas ameias e canhões, e no Palácio da Ajuda, com seus aposentos reais e faustosas salas de jantar, bombardearam os progenitores com perguntas. Aliás, com pergunta, no singular, porque era sempre a mesma: “Mas isto é mesmo de verdade?”
Para elas, de um país jovem, castelos e palácios não são coisas deste mundo e sim de cenário de filmes, como A Bela Adormecida, a Branca de Neve ou a Cinderela. Por falar em Cinderela, já disseram aos amigos brasileiros que em Lisboa há um museu, dos Coches, cheio de carruagens que não evaporam à meia-noite.
(João Almeida Moreira, pai da Mariana e da Carolina)