Uma auditoria interna da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) concluiu que houve irregularidades em obras bancadas com recursos indicados pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, em Vitorino Freire (MA), e pagamentos indevidos para a empresa contratada.
O ministro afirmou que não é responsável pela execução das obras e que não haverá prejuízo para os cofres públicos. A estatal respondeu que vai seguir as recomendações da apuração. A prefeitura de Vitorino Freire não havia se manifestado.
Conforme o Estadão revelou, o ministro usou o orçamento secreto para asfaltar uma estrada que passa em frente à sua fazenda. A emenda foi indicada quando ele era deputado federal, em 2020. Os recursos foram enviados pela Codevasf para o município, cuja prefeita, Luanna Rezende, é irmã do ministro. O presidente Lula cobrou explicações, mas resolveu manter Juscelino no cargo.
A auditoria especial, concluída em maio, se debruçou sobre dois convênios assinados entre a Codevasf e a prefeitura, no montante de R$ 8,9 milhões, que contemplam a estrada do ministro e outras ruas da cidade. A Polícia Federal suspeita de um esquema de fraudes licitatórias, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. A irmã do ministro chegou a ser afastada do cargo. Ele teve os bens bloqueados.
De acordo com a laudo da Codevasf, houve pagamento indevido de R$ 172,2 mil para a empresa contratada, a Construservice, em um dos convênios, o equivalente a 11% do recurso transferido pela União. O pagamento ocorreu sem o devido controle do serviço e acabou bancando mais do que deveria, conforme apurado. A PF aponta o empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como Eduardo Imperador, amigo de Juscelino, como verdadeiro dono da empresa. A empreiteira sempre negou que ele fosse o sócio.
O resultado prejudicou a qualidade do asfalto e o transporte do material para as obras. A massa asfáltica colocada foi uma, mas o poder público pagou por outra, mais cara, que não foi executada. Até o caminhão usado no transporte do material ficou com pagamento acima do valor devido. Para a auditoria, o serviço precisa ser refeito ou o dinheiro precisa ser devolvido para os cofres públicos, uma vez que “resta comprovada a má aplicação dos recursos públicos”.
O relatório aponta que a Codevasf não atestou a espessura do asfalto ao fazer o acompanhamento das obras, trazendo riscos para a população: “Como consequência para o achado, tem-se o pagamento de serviços executados com qualidade inferior ao estabelecido em normativo técnico, com possibilidade de entrega de um pavimento com prazo de vida útil reduzido e/ou diferente do pactuado, resultando no não atingimento do objetivo do convênio de entregar uma melhor qualidade de vida para a população atendida”.
Os valores pagos indevidamente podem ser ainda maiores. No segundo convênio, também em Vitorino Freire, foi repassado R$ 1,38 milhão sem a apresentação de nenhum documento que atestasse a execução do serviço. Sem essa comprovação, não é possível verificar se os serviços feitos estavam de acordo com o que foi contratado e o que foi pago pela administração pública.
Também houve divergência na extensão de ruas pavimentadas e pagas em relação ao projeto básico e ao projeto executivo. “Essas falhas nos controles dos partícipes do convênio podem resultar no pagamento de serviços sem embasamento técnico, com qualidade inferior ao especificado ou mesmo incompatível com o objeto conveniado”, afirma o laudo.
A investigação aponta erro não apenas da empresa, mas também da prefeitura e da própria Codevasf, que falharam na fiscalização. O relatório diz que a estatal revisa seu normativo de fiscalização e convênios.
Na estrada que leva à fazenda do ministro, a mais extensa e cara do projeto, orçada em R$ 5 milhões, a auditoria não encontrou problemas na execução. As obras nesse trecho pararam na fase inicial, com a terraplenagem, e não houve asfalto. Os trabalhos foram suspensos após operação da PF, baseada em reportagens do Estadão. •