A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, general Braga Netto, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e mais 33 investigados nas Operações Tempus Veritatis e Contragolpe. A PF atribui ao ex-presidente, militares de alta patente e aliados os crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa. Somadas, as penas máximas previstas para esses delitos chegam a 28 anos de prisão.
Entre os indiciados estão dois ex-comandantes das Forças Armadas: o almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha, e o general Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército. O general Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército, também foi indiciado.
Os 37 enquadrados nos crimes estão ligados à tentativa de manter Bolsonaro no poder após a derrota na eleição presidencial de 2022. O plano da suposta organização criminosa previa até o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
As investigações concluíram que o planejamento da ruptura democrática teve reuniões com a cúpula das Forças Armadas, produziu rascunhos de minutas golpistas, planilha com detalhes da ação e esboço de um “gabinete de crise” que seria instalado após o envenenamento de Lula e a “eliminação” de Moraes por meio de artefato explosivo.
Um dos pontos principais do documento é a indicação de que Bolsonaro tinha conhecimento do plano de assassinato do petista, de Alckmin e do ministro do STF.
Núcleos
O documento de mais de 800 páginas foi enviado ao Supremo na tarde de ontem. O relatório situa os indiciados em seis núcleos da “organização criminosa”: Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral; Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado; Núcleo Jurídico; Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas; Núcleo de Inteligência Paralela e Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
Ex-comandantes Entre os indiciados estão os ex-chefes do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, e da Marinha, Almir Garnier
A PF indiciou todos os integrantes de um grupo que havia sido batizado, ao longo do inquérito, como Núcleo de Oficiais de Alta Patente – militares que, “utilizando-se da alta patente que detinham, agiram para influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do golpe de Estado”.
O enquadramento criminal de Bolsonaro é o seu terceiro indiciamento pela PF e abre espaço para que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o denuncie formalmente. O chefe do Ministério Público Federal pretende analisar as imputações feitas pelos agentes federais ao ex-presidente dentro de um só contexto – considerando que todos os indiciamentos ocorreram em desdobramentos de um mesmo inquérito, o das milícias digitais.
PGR
O relatório das operações Tempus Veritatis e Contragolpe deve ser encaminhado à PGR na próxima semana. A estratégia do procurador-geral da República é a de que não é possível analisar as ações de Bolsonaro e de seus aliados isoladamente. A linha de raciocínio remete à máxima sobre a diferença entre uma fotografia e um filme, adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento que tornou Bolsonaro inelegível até 2030.
Os enquadramentos da PF significam que a corporação vê indícios suficientes de crimes atribuídos aos investigados. O Ministério Público Federal, como titular da ação penal, analisa as provas coletadas pelos investigadores e só então decide se apresenta a denúncia.
Nos outros casos em que Bolsonaro já havia sido indiciado, houve ocasiões em que Gonet pediu diligências complementares, informações adicionais e a íntegra de informações coletadas em operações. Isso ocorreu, por exemplo, no caso das joias sauditas. No episódio do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado, a Polícia Federal deve enviar ao Supremo um relatório complementar sobre as apreensões ocorridas na última terçafeira, na Operação Contragolpe.
Em entrevista ao portal Metrópoles, Bolsonaro comentou as conclusões da investigação. Ele voltou a criticar Moraes, afirmando que o ministro do Supremo “conduz todo o inquérito, ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa” (mais informações nesta página).
Defesas
O criminalista Paulo Amador da Cunha Bueno, que representa o ex-presidente, disse que só irá se manifestar quando tiver acesso ao relatório final da Polícia Federal, para fazer “uma manifestação mais segura”. Quando o expresidente foi intimado a depor no inquérito, em fevereiro, ele se manteve em silêncio.
A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres afirmou que somente irá se posicionar após ter acesso ao relatório de indiciamento.
Por meio de nota, a defesa do ex-ministro Braga Netto informou que não havia sido comunicada oficialmente sobre o indiciamento e criticou o que chamou de “indevida difusão de informações relativas a inquéritos, concedidas ‘em primeira mão’ a determinados veículos de imprensa em detrimento do devido acesso às partes diretamente envolvidas e interessadas”. A defesa acrescentou que, por essa razão, aguardará “o recebimento oficial dos elementos informativos para adotar um posicionamento formal e fundamentado”.
A defesa do tenente-coronel Ronald de Araújo Júnior afirmou que o seu indiciamento “não condiz, a toda evidência, com a realidade dos fatos”.” “Militar por vocação, Ronald não participou, a qualquer título, dos supostos crimes investigados, tampouco concorreu, intelectual ou materialmente, para a prática de qualquer conduta voltada à subversão da ordem jurídica do País.”
O advogado Elder Alves da Silva, que representa o coronel Alexandre Castilho Bittencourt da Silva, afirmou que continua confiante na completa inocência de seu cliente e que Castilho está à disposição das autoridades “para colaboração com o devido processo legal e constitucional, na certeza de que os fatos serão esclarecidos e sua honra plenamente restabelecida”.
O advogado de Alexandre Ramagem informou que iria se manifestar posteriormen
te. Procurados, Mauro Cid e Valdemar Costa Neto optaram por não se manifestar. Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, reiterou a inocência do investigado e disse que não obteve acesso a íntegra dos autos.
‘HONRADO’. O economista e blogueiro Paulo Figueiredo Filho – neto do ex-presidente João Batista Figueiredo –, que mora nos EUA, se manifestou em suas redes sociais: “Sinto-me honrado. Aguardo ansiosamente os próximos acontecimentos”, escreveu em tom irônico.
O argentino Fernando Cerimedo declarou que “há muitas provas” de que ele não esteve no Planalto “nem antes nem durante o 8 de Janeiro” e afirmou que será necessário um grande esforço para acusá-lo. Cerimedo também prometeu recorrer a tribunais internacionais caso venha a ser condenado.
Outros indiciados e citados não foram localizados.
Quem são os golpistas indiciados