O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, por unanimidade entre os integrantes do plenário da corte, a tese de legítima defesa da honra. Em julgamento na tarde desta terça-feira (1º/8), na sessão que marcou o retorno do recesso no Poder Judiciário, os magistrados entenderam que é inaceitável que feminicidas, ou seja, homens que matam mulheres com as quais convivem ou tem alguma ligação familiar, sejam absolvidos de seus crimes.
A tese de legítima defesa era usada para impedir a punição de feminicidas que alegavam traição por parte das companheiras ou outras justificativas semelhantes para justificar seus crimes. Todos os 10 ministros que integram o plenário votaram contra o uso deste tipo de dispositivo. O ministro Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aprovado pelo Senado, toma posse na quarta-feira (3) e, portanto, não pode votar neste caso.
A ministra Cármen Lúcia afirmou que a tese de legítima defesa da honra é fruto do machismo e da violência de gênero, que aumentou no país. “Uma mulher é violentada a cada quatro minutos. A violência contra mulher na pandemia aumentou ensandecidamente, temos que provar que não somos parecidas com humanos, mas somos humanos. O código do império previa que a mulher casada seria punida com pena de prisão. Sociedade machista, misógina, sexista e que mata mulheres por serem, o que são”, disse.
“Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causade umaideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina”, completou Cármen.
Um dos casos mais notórios foi o da socialite mineira Ângela Diniz, que foi morta em 1976 pelo namorado, Doca Street, em Búzios, no litoral fluminense, na casa em que morava havia poucos meses com ele. O julgamento do caso aconteceu em 1979. Doca foi representado pelo advogado Evandro Lins e Silva, que usou como tese a legítima defesa da honra.
Excludente de ilicitude
Com a decisão da corte, esse tipo de alegação não poderá mais ser usado, seja na fase pré-processual ou no Tribunal do Júri. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou em junho, quando o STF formou maioria pela derrubada da tese. Toffoli afirmou que o ataque a mulher por conta de adultério não está incluído nos requisitos de excludente de ilicitude.
“A legítima defesa da honra é recurso retórico odioso, desumano e cruel, usado por acusados de feminicídio para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no país”, disse.
O advogado criminalista Berlinque Cantelmo, sócio do Cantelmo Advogados Associados, destaca que, mesmo sem estar previsto na lei, esse tipo de argumento gerava absolvição de autores dos crimes contra a vida da mulher.
“Essa tese tem levado jurados a absolver autores do crime de homicídio em determinados processos. É uma perspectiva sociocultural, uma vez que não existe artigo no código penal correlacionado. Seria o mesmo que sobrepesar o valor da vida e o valor da honra. Considerando que neste sentido, o plenário do tribunal do júri estaria convalidando a honra em defesa da vida”, afirmou.