Publicações coordenadas no Facebook enganam ao afirmar que foram roubados R$ 5 bilhões dos cofres públicos na construção da refinaria Premium 1, em Bacabeira, no Maranhão. O projeto, que, de fato, não foi concluído, gerou prejuízo de R$ 2,1 bilhões para a Petrobras, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), e ainda está sob investigação.
O post, verificado pelo Projeto Comprova, também erra ao afirmar que “o TCU não viu” o caso. O órgão faz auditoria no projeto desde 2011 e já apontou irregularidades no decorrer dos anos, que foram mencionadas no relatório final da CPI da Petrobras na Câmara dos Deputados.
Também acusada de “não ver” a situação, segundo o post, a imprensa noticiou o cancelamento das obras, o reflexo da promessa não cumprida e o impacto que a decisão teve nas contas da estatal de petróleo.
A publicação engana ainda ao dizer que o vídeo utilizado, mostrando o então presidente Lula (PT) e sua equipe, é de 7 de fevereiro de 2005. A gravação, uma reportagem, foi publicada originalmente no dia 19 de janeiro de 2010 no canal do programa Maranhão TV no YouTube.
Procurado, o autor da publicação, que aparece em 11 grupos de Facebook diferentes, não respondeu ao contato. O Comprova considerou o conteúdo como enganoso porque usa dados imprecisos.
COMO VERIFICAMOS?
Para encontrar o vídeo original, fizemos uma busca no YouTube com o nome do canal que aparece no final do vídeo publicado no post verificado aqui e o nome do estado: MA TV Maranhão. O primeiro resultado é o canal do programa Maranhão TV.
Dentro do canal, na aba de vídeos, foi feita nova busca pelas palavras-chave “Petrobras” e “Premium I”.
O segundo vídeo que aparece entre os resultados é o mesmo do post desta verificação e foi postado em 19 de janeiro de 2010. Esta data foi confirmada como sendo a correta com outras reportagens da mesma época.
O próximo passo foi pesquisar reportagens sobre o lançamento, a construção e o cancelamento da obra da refinaria.
Na sequência, a reportagem contatou a assessoria de imprensa da Petrobras por telefone e email.
Também verificamos as investigações de autoridades e órgãos de controle. No site da Câmara foi possível encontrar a página com o relatório final e o próprio documento da CPI da Petrobras. O relatório final menciona processos abertos no Tribunal de Contas da União. Na página do TCU na internet, com os números citados, foi possível fazer consultas por cada um. Buscamos informações também no Senado. Contatamos a assessoria de imprensa do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), mas não obtivemos retorno.
Fizemos contato com a Secretaria de Comunicação do governo do estado do Maranhão, que não respondeu aos questionamentos. Procuramos ainda a Prefeitura de Bacabeira, mas o telefone e o email disponíveis no site da prefeitura não funcionam. Na página do Facebook, enviamos mensagem, mas não houve resposta.
VERIFICAÇÃO
Início
A construção de uma refinaria no Maranhão havia sido citada pelo governo federal em 2007 em seu PAC (Plano de Aceleração do Desenvolvimento). No texto, o estado receberia investimentos em três eixos: logística, energia e infraestrutura social. O montante previsto no PAC era de R$ 9,1 bilhões, dos quais 5,6% destinavam-se ao eixo energia, que incluía a refinaria de petróleo.
O projeto da Premium 1, da Petrobras, no município de Bacabeira, a 60 quilômetros de São Luís, foi lançado em 2010, pelo ex-presidente Lula (PT) e a a chefe da Casa Civil na época, Dilma Rousseff. A promessa era de que a fábrica entraria em funcionamento em 2015.
A construção foi incluída no Plano de Negócios e Gestão da Petrobras 2014-2018 e no PAC2. No entanto, a estatal cancelou a implantação da refinaria em 2015. Se a obra tivesse sido concluída, representaria a maior refinaria do Brasil, com capacidade de produzir cerca de 600 mil barris de petróleo por dia.
Obra cancelada
Existem alguns motivos para a construção da refinaria não ter sido concluída. Um deles é que o TCU apontou irregularidades na obra. Em um relatório de fiscalização de abril de 2013, o órgão identificou indícios graves de irregularidade na terraplanagem —a única obra que teve início, mas que foi paralisada. De acordo com o TCU, somente em 1º de novembro de 2010, oito meses depois do lançamento, e já com a terraplanagem em andamento, é que foi assinado um contrato para elaboração do projeto básico da refinaria.
Outro motivo: em informações coletadas no site do Senado, a parceria da petroleira chinesa Sinopec com a Petrobras para construir a Premium I não deslanchou porque os chineses deixaram claro que não confiavam na paridade de preços no Brasil (equilíbrio entre os preços internos dos combustíveis e do petróleo no mercado internacional) e exigiram uma rentabilidade mínima de 12% ao ano —enquanto a Petrobras trabalhava com um índice de 8,7%. A refinaria iria processar diesel para exportação.
Além disso, um terceiro ponto destacado foi a destruição da vegetação no Maranhão, que causou danos ambientais por causa da terraplenagem e outros serviços —citado no relatório do TCU. Em 2017, a Petrobras foi condenada a pagar R$ 53,7 milhões por essa questão, em decisão resultante de ação civil pública proposta pela Procuradoria-Geral do Estado.
O fato de o empreendimento ter sido iniciado sem projeto básico também foi apontado pelo TCU.
A obra da Premium 1 foi alvo de investigações na Câmara dos Deputados na CPI da Petrobras. Foram apontadas irregularidades na refinaria, com base em processos do Tribunal de Contas da União: sobrepreço decorrente de jogo de planilha, prática na qual o construtor muda valores durante a execução da obra, prejudicando o contrato (processo 007.321/2011-2); falha de planejamento, ocasionando aditivos e atrasos injustificáveis nas obras e serviços com prejuízos à Petrobras (006.280/2013-7).
Gastos
Com terraplanagem, construção de canais perimetrais, canteiro de obras e pontes de acesso e cercas foram gastos, pela Petrobras, R$ 583 milhões.
Além disso, o TCU apontou que foram gastos mais R$ 1 bilhão em projetos, treinamentos, transporte e estudos ambientais pela empresa estatal.
Procurada, a Petrobras disponibilizou documento com os resultados consolidados do terceiro trimestre de 2015, quando houve baixa contábil das obras das refinarias Premium 1 e Premium 2 —esta última no Ceará. Segundo o documento, houve prejuízo de R$ 2,7 bilhões em ambas. De acordo com reportagem do G1 à época, R$ 2,1 bilhões eram da Premium 1 e R$ 596 milhões, da Premium 2.
Já o item 561 do documento do TCU indica que “em 2015, em face da limitação de funding [financiamento] e da falta de parceiros para o empreendimento, propôs-se o encerramento parcial dos projetos com prejuízo de R$ 2,8 bilhões contabilizados até dezembro de 2014”.
Ação articulada
O autor do post se identifica no Facebook como Marcos Rocha e integra o grupo “#bolsonarotemrazão” na mesma rede, onde ele publicou o conteúdo verificado aqui. A reportagem tentou entrar em contato, mas ele não respondeu.
Após ele fazer a publicação com as informações enganosas, ela foi compartilhada em sete grupos públicos do Facebook ao mesmo tempo, sendo todos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Cerca de uma hora depois foi postada em outros quatro grupos.
POR QUE INVESTIGAMOS?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições. O post aqui verificado foi usado em ação coordenada e publicado em 11 grupos diferentes, sendo em sete deles ao mesmo tempo, e, segundo a ferramenta CrowdTangle, somou cerca de 500 interações até o dia 10 de novembro de 2021. Na página do autor da publicação, ela foi visualizada 1,3 mil vezes.
Ao aumentar o valor e alegar roubo de um dinheiro investido em obras da Petrobras no governo Lula, a publicação tenta descredibilizar o político, que lidera pesquisa Datafolha de intenção de voto para presidente em 2022, sendo o principal concorrente de Bolsonaro.
O Comprova já verificou outros conteúdos que distorcem a verdade para favorecer o atual presidente, como o que acusa falsamente Lula e Dilma de terem pagado 6 mil euros em um jantar em Paris e o que retira de contexto tabela com dados do Bolsa Família.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado com alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações disponíveis no dia 10 de novembro de 2021.
A investigação desse conteúdo foi feita pela Folha e por jornalistas que recebem formação em verificação pelo Programa de Residência no Projeto Comprova, coalizão que reúne 33 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus, políticas públicas e eleições. Foi publicada na quarta-feira (10) e verificada por UOL, Estadão, Correio, Correio de Carajás e GZH.