BUENOS AIRES – O cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, e popular por ser o criador de Mafalda, morreu nesta quarta-feira em Mendoza, sua cidade natal, aos 88 anos, confirmaram a EFE fontes próximas ao artista.
Filho de espanhóis e possuidor de honrarias como o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades e a Medalha da Ordem e Letras da França, Quino desenvolveu as aventuras de sua personagem mais popular entre 1964 e 1973, embora as histórias da icônica menina venham sendo publicadas em todo o mundo até hoje.
30 de setembro de 2020 | 12h25
BUENOS AIRES – O cartunista argentino Joaquín Salvador Lavado, conhecido como Quino, e popular por ser o criador de Mafalda, morreu nesta quarta-feira em Mendoza, sua cidade natal, aos 88 anos, confirmaram a EFE fontes próximas ao artista.
Filho de espanhóis e possuidor de honrarias como o Prêmio Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades e a Medalha da Ordem e Letras da França, Quino desenvolveu as aventuras de sua personagem mais popular entre 1964 e 1973, embora as histórias da icônica menina venham sendo publicadas em todo o mundo até hoje.
Quino, um visionário inconformado com o mundo
Desde Tirésias, a figura do profeta cego — que não enxerga o mundo palpável, mas vê adiante — é um arquétipo presente em peso na literatura ocidental. Pode-se dizer que num apartamento no Bairro Norte de Buenos Aires e, mais recentemente, em Mendoza, vivia um descendente da longa linhagem de Tirésias e Odin, um argentino que já não enxergava bem as pessoas e as coisas, mas sempre viu muito além do que os demais: o quadrinista Quino, criador da personagem Mafalda, que morreu nesta quarta-feira, 30.
Aos 88 anos, a figura de Quino já era frágil e vacilante nas últimas aparições públicas, que iam rareando à medida que o glaucoma avançava e lhe tirava a capacidade de fazer o que nascera para fazer: desenhar. Desde 2009, ele se aposentou da atividade que o definiu durante meio século, mas a potência de sua criação nunca cessou.
A comparação é comum, mas não muito válida: Quino não é apenas uma versão hermana de Maurício de Sousa. Autor das tiras que jovens de todas as idades tiveram de enfrentar em provas e vestibulares, Quino nunca se absteve de enfrentar temas políticos ou polêmicos, seja em seus quadrinhos mais infantis ou em seus cartuns mais ácidos.
A carreira de Quino começou em 1950, desenhando para publicidade e colaborando com algumas páginas de humor, mas sem grande impacto e ouvindo muitos nãos.
Sua criação mais conhecida, a Mafalda foi concebida em 1963 para uma propaganda da linha de produtos Mansfield, da metalúrgica Siam Di Tella. Os produtos nunca chegaram a ser comercializados, e a peça publicitária nunca saiu do papel. A personagem, no entanto, ganhou o mundo e se tornou uma das mais ilustres dos quadrinhos.
A princípio, Quino ofereceu sua tira ao jornal Clarín, que a recusou por se tratar de uma peça publicitária. No entanto, a revista Primera Plana aceitou lançar as tirinhas, caso o artista retirasse as menções aos produtos anunciados. Em 29 de setembro de 1964, a Mafalda ganhava as páginas pela primeira vez. No ano seguinte, Quino passou a publicar a tira no jornal El Mundo e, em 1968, no semanário Siete Días Ilustrados.
A inspiração para os traços veio dos cartunistas americanos, especialmente Charles M. Schulz, criador do Snoopy. A comparação com Snoopy e A Turma da Mônica, talvez as duas mais longevas tiras da imprensa mundial, pode fazer parecer que a Mafalda foi publicada por muitos anos. No entanto, sua publicação cessou em 1973 e, desde então, Quino fez apenas algumas tiras para ocasiões especiais.
Apesar de ter durado menos de uma década e ter sido descontinuada há 47 anos, a Mafalda conseguiu o que pouquíssimos cartuns foram capazes: comentar no calor dos fatos o cenário político argentino e mundial, e se manter atual e atemporal muitos anos depois.
Em geral, tiras como Snoopy se atém a temáticas universais para não ficarem datadas, e tiras mais políticas, como Maxwell, o Gato Mágico, de Alan Moore, acabam ficando restritas à época em que foram publicadas. Talvez a limitação do semanário que publicou a Mafalda entre 1968 e 1973, que obrigava Quino a produzir com duas semanas de antecedência, fez com que o artista argentino se treinar a observar as tendências maiores da marcha da história, sem ficar nas minúcias do noticiário.
Não é por acaso que sua presença é tão comum até hoje em provas de escola e vestibulares universitários. Embora a Mafalda e seus amigos Miguelito, Manolito, Susanita e Felipe sejam apenas crianças, em vez de limitar as temáticas do crescimento, da relação com os pais e da vida escolar, Quino conseguiu inserir nesse ambiente infantojuvenil uma mordaz sátira do mundo contemporâneo, observando assuntos delicados em plena guerra fria.
Direitos humanos, aquecimento global, ameaça nuclear, instabilidade política… Esses temas não parecem tão adequados às crianças, mas Quino soube como poucos cartunistas imiscuir seu comentário social em meio aos carismáticos personagens que criou. Nas tiras de Quino, quem diria, até mesmo o planeta Terra é um personagem, representado pela alegoria do globo terrestre com quem a protagonista insiste em interagir, conversar e desabafar.
Em um das mais emblemáticas tiras de Quino, Mafalda diz a seu irmãozinho Guille: “Quantas coisas podem sair de um lápis?” A vida de Quino foi dedicada a responder essa pergunta. E os leitores seguem perseguindo sua resposta.
Quino em Buenos Aires
Um dos maiores quadrinistas da boa tradição argentina, Quino recebeu diversas homenagens em vida em seu país.
Um tour rápido por Buenos Aires, por exemplo, não evitará os murais da Mafalda instalados em algumas estações do metrô da capital argentina.
O leitor mais atento também pode conferir a exposição permanente de quadrinhos organizada pela Biblioteca Nacional, dirigida por ninguém menos que o intelectual e bibliófilo Alberto Manguel, aprendiz de Jorge Luis Borges e um fã confesso das tiras.
O quarteirão do apartamento em que Quino viveu durante 22 anos, e onde ele criou a Mafalda, conta com estátuas de seus personagens em uma de suas esquinas — prato cheio para turistas ávidos por fotografias.