A Secretaria de Educação de Rondônia mandou recolher 43 livros das escolas da rede pública estadual e depois voltou atrás. Entre as obras, estavam as de autores como Machado de Assis, Ferreira Gullar, Caio Fernando Abreu, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Franz Kafka e Edgar Allan Poe.
A decisão foi revelada pelo vazamento de um ofício interno assinado pelo secretário estadual de Educação, Suamy de Abreu.
— (O que houve é que) técnicos da secretaria estavam fazendo um estudo e, de repente, alguém entrou numa página e já publicaram — disse o secretário ao GLOBO.
Rubens Alves na mira
No ofício, o governo pede que os servidores “verifiquem os kits de livros paradidáticos encaminhados às escolas para compor o acervo das bibliotecas” e “procedam com o recolhimento dos mesmos imediatamente”.
A justificativa é a de que as obras contêm “conteúdo inadequado às crianças e adolescentes”.
A lista inclui títulos como “Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis; “A vida como ela é” e “Beijo no asfalto”, de Nelson Rodrigues; “Contos de terror, de mistério e de morte”, de Edgar Allan Poe; “O castelo”, de Franz Kafka; “Macunaíma”, de Mário de Andrade, “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, além de livros de Carlos Heitor Cony e 19 trabalhos de Rubem Fonseca. Há ainda a seguinte observação: “Todos os títulos de Rubem Alves devem ser recolhidos”. O autor é educador e teólogo, fundador da Teologia da Libertação.
O secretário chegou a afirmar ao site Rondônia Dinâmica que o documento era falso. O GLOBO confirmou, no entanto, que o ofício consta do Sistema Eletrônico de Informações (SIE), classificado como sigiloso.
O texto do ofício ressalta a importância de “estarem atentos às demais literaturas já existentes ou que chegam nas escolas para uso de atividades escolares, a fim de que sejam analisadas, e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho sem constrangimento e desconfortos”.
Rondônia é governada pelo Coronel Marcos Rocha (PSL), alinhado com o presidente Jair Bolsonaro.
Debates monitorados
Educadores do estado já haviam reclamado de ofício de setembro em que a secretaria de Educação determinou que qualquer realização de “debates, palestras, seminários” dentro das escolas da rede estadual só poderiam acontecer após autorização da pasta. A justificativa é a de que é preciso “avaliar a pertinência do tema proposto”.
— Qualquer tema de debate aqui tem que passar pela secretaria antes — afirma um professor, que não quis se identificar.
O episódio mereceu uma nota oficial da Academia Brasileira de Letras:
Lei abaixo
A Academia Brasileira de Letras vem manifestar publicamente seu repúdio à censura que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão. A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a autossuficiência que embasam a censura.
É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a ação consciente da cidadania e das autoridades constituídas.