Domingos Vieira Filho
A tradição vem de longe, pela infalível via lusitana, como tantas outras manifestações folclóricas que até hoje persistem entre nós.
A celebração do Divino Espírito Santo ainda está bem viva no Maranhão, principalmente na cidade de Alcântara e São Luís. Muitas vezes, ela é celebrada como pagamento de promessa e, embora de cunho religioso tem conotação de sabor profano. A Casa de Minas e a Casa de Nagô,or exemplo, sedes dos cultos fetichistas que nos veio no bojo da escravidão africana celebram todos os anos o Divino Espírito Santo.
A festa inicia geralmente com a cerimônia de abertura da tribuna ou tronos do império, na casa do festeiro. Escolho o loca, num canto de sala, onde ficará assentado o império, presentes amigos e convidados, as caixeiras rompem um rufar seco, cadenciado, que é alternado com louvores ao Divino. “Meu Divino Espírito Santo; Eu vim no seu chamado/Na vossa salva encontrei/ Cravo branco desfolhado…Que pombo é aquele; Que a lua cobriu de véu; É o Divino Espírito Santo que vem descendo do céu.
Mas, meses antes, percorria as ruas da cidade, principalmente nos subúrbios, o bando do Divino, em algumas áreas brasileiras chamada de folia. Era uma espécie de bando precatório, destinado a angariar recursos para a festa. Compunha-se de duas ou três caixeiras, meninas portando a bandeira do Divino e uma salva de prata com a coroa e a pombinha do Espírito Santo.
Nos domingos que mediam entre o Sábado de Aleluia e a Quinta da Ascenção as caixeiras rufam em honra do Divino. , sucedendo-se cantos de louvor. As Caixeiras declamam: Caixeira queira saber/ Que cor tem o Divino Espírito Santo/Tem os pés bico encarnado/ Seu corpinho todo branco…Meu Divino Espírito Santo, quem é vós e quem sou eu/ Sou uma obre pecadora/E vós um senhor meu.”
Na véspera da Ascenção as festeiras se movimentam. pois verifica-se o levantamento do tradicional mastro. O que é feito entre cantorias e toques de caixas. O mastro é marcante em muitas outras manifestações folclóricas, enfeitados com ramos, cocos, frutas diversas, e garrafas de bebidas é erguido solenemente exclamações de júbilo. No topo a pombinha do Divino bordada numa espécie
Entrevistas
Fale um pouco sobre os rituais deste dia?
Marlene Silva – Depois da missa cada cortejo vai para sua casa. A Mordoma-Baixa, Mordoma-Régia e a Imperatriz que vai esperar todos na Casa do Divino. Hoje acontece a primeira visita da festa, ou seja, da Mordoma-Régia que antes visita casa Mordomo-Baixo antes de chegar à casa da Imperatriz que nos recebe. Lá tem doce, chocolate, bebidas…fica um pouco lá e depois se recolhe. Em cada paço que tem… os paços são as casas dos mordomos…então a Mordoma-Régia passa e para em frente a cada casa. Aí o Mestre sala dá “Viva o mordomo tal!”. A banda toca e o mordomo da casa responde: “Viva o Mordomo em trânsito!”, o cortejo segue e vai embora…só entre mesmo na casa da Imperatriz. Aí retorna e a Mordoma-Régia volta para sua casa, porque hoje, ela, a Mordoma, oferece doce, chocolate e bebidas. O dia da festa da Mordoma-Régia mesmo é o dia da visita…tá compreendendo? Nós somos os primeiros que visita… Daqui para frente toda noite vai ter visita. Casa Mordomo bota a visita dele na rua., depois que sai da igreja. A última é da Imperatriz, que era sexta-feira, daqui a seis dias. Mas ai tão mudando né? Tão deixando pro sábado.
Depoimento do seu Heidimar Marques, presidente da Associação encarregada de organizar a festa do Divino Espírito Santo de Alcântara.
O que o senhor está achando da festa?
Heidimar Marques – Estou gostando. Com muito esforço. O Estado ajudou, né? Agora estamos esperando a ajuda do federal. Neste ano, o IPHAN, finalmente, impediu o trio elétrico na praça da Matriz, o que vinha descaracterizando a festa. Deve-se estudar, futuramente, em qual espaço seria o trio. Poderia ter, mas nunca no centro histórico, né? As meninas estão muito bem vestidas, o trono bonito, a principal figura da festa, a Imperatriz, muita satisfeita, muito alegre. Farta, né, a festa, né? Dificilmente poderá ser como as festas antigas, né? Porque as visitam eram bem iluminadas…com Petromax… e muitos balões. Hoje ninguém quer carregar balão… Ficaram muitos na casa da Mordoma-Régia porque ninguém quis levar.
Que outras mudanças o senhor detectou este ano?
Heidimar Marques – Olha, mudanças assim berrantes, não. Altares de acordo com gosto da festeira, né, a cor dourada, que é uma cor assim não muito berrante. Ficou um trabalho original, muito bom, né? Então, não acho nenhum motivo pra me queixar da festas.
Depoimento do senhor Moacir Brito Amorim, mestre sala da festa do Divino Espírito Santo de Alcântara
Existe algum músico da cidade participando da festa?
Moacir Brito Amorim – Não, são todos de São Luís. Cada festeiro tem o seu conjunto. Agora, quando eles se reúnem na missa, como a da Quinta-Feira da Ascenção, domingo do meio e no Domingo do Espírito Santo, reúnem-se todos, e saem daqui juntos. Mas, quando chegam na casa do festeiro, cada conjunto fica com o festeiro respectivo. A Imperatriz possui um conjunto. Ela vai para a sua casa para ficar esperando a visita. Os Mordomos, cada um tem o seu conjunto. Como cada noite tem um festeiro, então só há uma banda, que vai acompanhar a visita, que vai visitar o Império, e as outras vão para o seu paço, que é como se chama as casas da festa.
Antigamente havia banda de música daqui?
Moacir Brito Amorim– Quando eu comecei a participar dessa festa não se trazia música nenhum de fora, pois nós tínhamos músicos aqui. E não tinha também esse negócio de cada festeiro ter a sua banda, o seu conjunto. Esse conjunto que tinha aqui tocava para todo mundo. Com o decorrer das coisas, vai crescendo o movimento., vai crescendo a festa, vai dificultando tudo, então cada um passou a contratar o seu. Cada festeiro paga o seu conjunto.
O senhor poderia apontar alguma mudança na festa em relação aos anos anteriores
Moacir Brito Amorim – As mudanças sempre existem, gradativamente…pequenas coisas que a gente vai observando., que isso é de modo geral. Não há nada sem mudança! Agora, as pequenas mudanças que têm não afetam a tradição, não afetam! Ela se mantém!
Após a missa de hoje, domingo do meio, o cortejo segue para onde?
Moacir Brito Amorim – Depois o cortejo vai visitando todos os mordomos. Na Quinta-feira da Ascenção, todo mundo vem para a igreja e o sentido da coisa é o seguinte: sair da igreja, fazer o passeio nas ruas e visitar o Império, que acolhe todos os Mordomos. No Domingo do meio, o Império vai retribuir essa visita. E vai em casa de cada festeiro. Hoje, estamos as nove da manhã, e agora, se não me falhar a previsão, vamos encerrar as visitas as sete da noite. Cada… mordomo visita o Império. Então, o que acontece? Ao final de todos as visitas, que é na sexta-feira, o Império vai retribuindo todos essas visitas, já na noite de sábado, quando se encerra por volta das sete horas da manhã de domingo, pra vir para a missa. Todos vão após a missa para a Casa da imperatriz. À tarde, por volta das cinco ou seis horas da tarde, todos vêm para o encerramento da festa com a leitura do Pelouro, que é a lista com o nome dos festeiros do próximo ano.
Como é que os festeiros são escolhidos?
Moacir Brito Amorim – Olha, são escolhidos por mim, que sou coordenador da festa. De algum tempo atrás pra cá já existem algumas mudanças, até por circunstâncias financeiras. Há anos atrás, eu chegava aqui, no adro desta igreja (do Carmo) e ficava olhando o povo. Dizia para mim mesmo: vou escolher aquele senhor ali para o Império. As coisas eram fáceis, mas baratas, não tinha essa multidão de fora. A festa era de Alcântara e do povo de Alcântara, porque não tinha essa badalação para trazer todo essa gente pra cá. Então, com poucos recursos a gente fazia uma festa. Hoje, não! Hoje, eu tenho que observar e depois consultar, sigilosamente as pessoas: meu querido, eu gostaria que você fosse o festeiro do próximo ano, você aceira? Ele vai me dizer se aceita ou não, pois eu não sei qual a condição financeira dele. Se eu escolher assim pela minha vontade, ele pode não fazer e nós temos um cuidado muito grande com essas coisas. Acho que no ano em que se deixar de fazer o Império, a festa acaba porque se abriria uma precedência para que outro diga: eu não faço, o fulano não fez. Quando o escolhido diz: pode contar que eu faço, eu já tenho certeza de que a pessoa vai fazer a festa.
O estado patrocina a festa hoje. Quanto veio para Alcântara?
Moacir Brito Amorim – Para cá saiu sessenta mil reais. Mas fica uma porcentagem para o projeto, que é feito lá em São Luís, outro tanto para propaganda, cartazes, não seu quanto por cento. O restante se divide entre os festeiros. Então, o que é que acontece? Nós temos 7 festeiros, como Mordomo-Régios que recebem 4 mil cada. Aí já são 28 mil reais. A Mordoma-Régia recebe 8 mil reais. Aí vai para 36 mil reais. Mais 10 mil reais vão para a Imperatriz, e a soma fica em 46 mil reais. Para 60 mil, faltam 14 mil reais, que ficam para os gastos que citei no início. Eu sempre recebo um telefonema dizendo qual o dia que o governador vem para entregar o dinheiro da festa.
Quando é que esse dinheiro é entregue
Moacir Brito Amorim – No dia em que o governador vem. Neste ano, foi no dia do levantamento do mastro, no dia 19 de maio. Seria bom que chegasse até um mês antes,mas vc sabe que aquela coisa de governo tem aquele protocolo danado. Neste governo o dinheiro está saindo no começo da festa. Nos governos passados, teve ano do dinheiro chegar no final dos festejos.
- Texto de Paulo Melo Souza publicado em 2004 no jornal Diário da Manhã
FESTA DO DIVINO em Alcântara na linha do tempo: