Ananias Alves Martins
*Historiador
O carnaval maranhense é uma das mais antigas tradições festivas que se tem conhecimento no país, e até os anos 70 do século XX sustentava o título de terceiro carnaval brasileiros, após o do Rio de Janeiro e Pernambuco, consequências da variedade de manifestações e da grande convergência de foliões.
Principiou como carnaval de rua, inaugurado pelos negros que fugido das agruras da escravidão, reproduziram antigas brincadeiras portuguesas, ou as suas próprias, trazidas do continente africano, o que faziam, num primeiro momento em épocas de festas religiosas e colheitas, mas que com o tempo convergiram para a quadra carnavalesca.
O fandango e a Chegança eram brincadeiras de Natal; o Congo saia na festa de Rosário, em janeiro e a Caninha Verde era em junho, época da colheita portuguesa. Adaptadas com uma encenação característica brasileira, fruto do contato com o teatro catequético dos jesuítas, deu a mais impressionante característica dos nosso carnavais primordiais; a de ‘carnavais de autos’. Fala-se aqui de um tempo em que os homens livres e proprietários pouco se manifestavam nas ruas, sendo o Carnaval de Entrudo a grande exceção. Ricos, pobres, sacerdotes se misturavam para jogar água e pó nos transeuntes. Existe rico registro do entrudo do Maranhão, herdado dos portugueses, onde os escravos acompanhavam seus senhores com baldes d´água, para lhes servir de munição.
O Congo era um ritual narrativo das antigas epopeias Angola- Congolesas, com temas de cerimônia de coroamento de monarcas do Congo e a luta dessas monarquias contra outras, lutas contra o invasor, etc, que assimilou técnicas dramáticas dos antigos autos africanos em passeatas carnavalescas, como as que percorriam o Caminho Grande, no século passado, para terminar no Centro da Cidade.
Quanto a Caninha verde, trata-se de uma festa popular de origem minhota, criada em Portugal, para atrair moças e rapazes para a colheita. Classicamente é uma brincadeira de roda, envolvendo homens e mulheres, divididos em sexos e seções que se defrontam cantando e permutando lugares. No Brasil, ganhou um ato de casamento eu se desenrola em torno do litígio entre os noivos e os pais da noiva, além de novos nomes para os protagonistas. No Maranhão se tornou desde cedo manifestação urbana, sendo dançada além de São Luís, nas cidades do Vale do Itapecuru.
A Chegança era dançada em Portugal, como uma reprodução cênica das lutas contra os mouros, mas apenas como dança e indumentária. A dançar era considerada lasciva, ‘ancas contra ancas’, peneirando-se ‘coxa contra coxa’ e chegou a ser proibida. No entanto, no Maranhão aparecia com um ciclo de autos, cada dia entrosando-se no episódio central outro episódio ou jornada se construindo na Chegança mais completa que Antonio Lopes havia conhecido. Tinha a Nau Catarineta, o episódio do mouro, o do imediato, o do pikoto, o do mestre e o da marujada.
Em alguns estados do Brasil é conhecido como Chegança apenas um desses episódios, ou mesmo o Fandango, constituído apenas de uma dança com um auto de disputa de espada entre ‘povos rivais’. Os escravos e ex-escravos do Maranhão dançavam-na vestidos de calções de seda curtos, gibão e manto.
Na segunda metade do século XIX, o cotidiano da vida citadina dos negros de São Luís, forjará um novo tipo festivo, o brincante do Baralho, que chegou a ser um tipo social muito relacionado às mucambas.
No carnaval os negros saíam pintalgados de pó, carregando sombrinhas velhas, que não se usavam mais, em passeatas carnavalescas, acompanhados de reco-reco, pandeiros e violões e canções próprias. A isso chamavam Baralho.
É também na segunda metade do século passado que os bales se consagraram junto à elite local, se tornando a alternativa festiva\carnavalesca dos que não se misturavam com o povo escravo, ex-escravos e homens livres pobres. Neles se dançava a polka, de origem boêmia (ex-Tchecoslováquia), o schottisch, de provável origem húngara e a quadrilha francesa, além de muita valsa.
Como apetrechos para os bailes era comum o uso de confete francês, bisnagas perfumadas, pó de ‘ouro’ e ‘prata’, e máscaras ‘finas’, importadas. Não faltavam, no entanto, máscaras de fabricação local, que se destacavam pelo aspecto temático de suas formas: o governo, o comércio, o povo, a lavoura, etc.
Os bailes ocorriam em amplos salões da cidade e no Teatro União (hoje Arthur Azevedo), com restrição ao acesso de famílias com pouco dinheiro, daí derivarem deles vários bailes, mais populares, muito concorridos já no fnal do Século XIX.
Paralelo à fluência dos bailes, o Carnaval de rua se delineava, com grande adesão aos cordões que se consagrariam nos carnavais do século XX, delineando o seu principal perfil até meado dos anos 60.
Aos poucos vão se enchendo as ruas de Dominós, Cruz-diabos, Colombinas, Arlequins, Pierrôs, Fofões, Ursos, macacos e outros, cada qual fazendo os seus passes, ao comando de um apito.
Por volta de 1935, o cenário do carnaval maranhense comportava tanta diversidade quanto podia imaginas a criatividade dos foliões. Enquanto dominós, pierrôs e cruz-diabos saiam em seus cordões, o urso acompanhado de m pequeno conjunto musical, fazia passeatas carnavalescas, com apresentações teatrais nas casas e nas ruas, com seu elenco de domador, macaco e cachorro.
Os Corsos de iniciativa de comerciantes, grupos de famílias e casas de mulheres, davam espetáculos com as batalhas de confete e serpentinas, que ficaram famosas por deixarem as ruas completamente cobertas de papel.
A Caninha Verde, a Chegança, o Fandango e o Baralho, remanescentes da fase anterior do Carnaval, se reuniam no Largo do Quartel (Hoje Praça Deodoro) e junto com outras brincadeiras faziam uma farra ‘infernal’ , como ficou na impressão dos que presenciaram. Sem deixar de falar na continuidade do tradicional Entrudo, que entusiasmava a todos.
Ainda não satisfeitos com tantas manifestações momescas, os maranhenses inventaram a Casinha da Roça, com um tambor de crioula dentro e acompanhamento de tipos rurais- roceiros, índios, rendeiras, etc- além de comidas típicas da cozinha maranhenses como o peixe frito e o cuxá.
Criaram também os ‘assaltos’, que eram festas surpresa nas casas dos amigos, onde se improvisavam bailes nas salas, com direito a comida e bebidas que levavam os foliões. Às vezes, o mesmo grupo, chegava a fazer ‘vários assaltos’ em um mesmo dia, ou ficavam até a madrugada, quando o ambiente era acolhedor.
Entretanto, de todos os anos que seguiram, como áureos do Carnaval maranhenses, o que seus protagonistas mais gostam de lembrar são tempos dos Bailes de Máscaras, que ocorrem em São Luís.
O segredo do sucesso consistia nas fantasias mascaradas que só as mulheres usavam, ocultando totalmente a sua identidade, e que funcionava como subterfúgio de liberação, em uma sociedade de diversos tabus. O romance corria solto nos bailes, sem que o homem soubesse a identidade de sua parceira, até que ela desejasse lhe revelar. As histórias hilárias sobre revelações de identidade são muitas.
Ainda na década de 30, o samba começa a se popularizar no Maranhão, e a somar a já rica festa momesca existente, inspirando a formação de turmas de samba e blocos carnavalescos, que se formavam a partir de grupos de amigos, passando a se manifestar nas ruas com tambores e cavaquinhos, em uma época em que nem se falava em Escola de Samba.
Somente nos últimos 40 anos, os blocos se tornaram verdadeiramente influentes nas festas carnavalescas, sendo das principais atrações dos clubes carnavalescos e deslocando gradativamente o destque antes dados às brincadeiras tradicionais. Mas, a princípio, Fuzileiros da Fuzarca, Flor do Samba, Turma do Quinto e Turma da Mangueira e Vira-Lata, gozam da mesma categoria, a de Blocos.
No início dos anos 50 já se ver registrado a distinção que se faz entre blocos e escolas de samba – esta como categoria nova no Carnaval que ali se fazia – desfilando paralelamente aos Corsos e aos Carros Alegóricos, em concursos que a Prefeitura de São Luís passou a patrocinar.
Enquanto os blocos tinham enraizamento principal na área central da cidade, os grupos que se tornaram escolas, fluíam do meio social dos bairros, pela própria exigência de contingente humano de que necessitam.
Foram as escolas de samba que definiram nos anos 70 e 80 a característica de ‘Carnaval de Samba’ que a festa momesca passou a ter no Maranhão, na medida que se tornam a principal referência, chegando a gozar, naqueles anos, de grande prestígio e da adesão de uma parte da classe média, que não aderira às noitadas nos clubes.
Os blocos nunca desapareceram do Carnaval Maranhense e as eles se juntaram as charanga e as bandas de rua, que fizeram com sucesso as temporadas pré-carnavalescas e carnavalescas, mas que por um tempo perderam espaço para os trios elétricos.
*Ananias Martins é autor dos livros “