SÃO PAULO — No último fim de semana, ao lado de seu tradutor americano, Alexis Levitin, o poeta Salgado Maranhão participou do New Orleans Poetry Festival, nos Estados Unidos. Salgado se apresentou na sexta-feira e no domingo, junto a outros poetas estrangeiros e seus respectivos tradutores. Ele ainda aproveitou para lançar a edição americana de “Palávora”, livro publicado aqui em 1985 e que manteve seu título por lá. Não houve inglês que desse conta do neologismo.
Salgado desembarcou nos Estados Unidos no dia 14 de abril para participar do festival e palestrar em oito universidades do Texas e da Louisiana. Essa é a sétima turnê do poeta maranhense pelos EUA. Ele estima já ter passado por mais de 80 campi espalhados por 31 estados americanos. Nessas palestras, ele declama seus poemas de memória e em português. Levitin o acompanha em inglês.
— As palestras costumam ser bem recebidas. Talvez por certa abordagem universalista da minha poesia, que envolve a todos sem abrir mão de sua origem — diz. — Já a poesia americana atual está demasiadamente soterrada por questões ideológicas, de gênero e raça, e lamúrias pessoais.
‘Instinto musical’
Salgado, que vive no Rio desde 1973, foi introduzido no mundo acadêmico americano por Luiz Fernando Valente, um carioca que ensina literatura brasileira na Universidade Brown. Valente conheceu os versos de Salgado “no começo do milênio”, por indicação de uma amiga. Entusiasmado com a “profundidade e competência extraordinárias” do poeta, publicou um artigo sobre Salgado e, em 2007, convidou-o para visitar Brown. Lá, apresentou-o a Levitin, tradutor dos poetas portugueses Eugénio de Andrade e Sophia de Mello Breyner Andresen, e de Clarice Lispector (“Onde estivestes de noite” e “A via crucis do corpo”).
— Alexis tem a sensibilidade necessária para perceber como os poetas constroem as imagens — diz Valente. —Eu confiava que ele, sendo um excelente tradutor, conseguiria verter a linguagem figurada de Salgado, aquelas imagens e metáforas, para o inglês.
Levitin já traduziu três livros de Salgado Maranhão: “Sol sanguíneo”, “A pelagem da tigra” e “Palávora”. Poeta e tradutor trabalham juntos, e Levitin se esforça para recriar em inglês a musicalidade dos versos originais.
— Salgado joga com a linguagem, inventa palavras e não aceita as regras gramaticais. Não seria possível traduzir sem a ajuda dele — afirma Levitin. —Ele dá explicações e escuta o inglês com cuidado. Ele tem um instinto musical muito bem desenvolvido. Isso me dá confiança na qualidade sonora da tradução.
A tradução de “Sol sanguíneo” saiu em 2012. Levitin enviou o livro para conhecidos seus em dezenas de universidades americanas, das quais 54 responderam convidando o poeta e o tradutor para palestrar. Naquele ano, eles percorreram a Costa Leste dos EUA de norte a sul, do Maine à Geórgia, no carro de Levitin. Não brigaram nem uma vez, para surpresa do tradutor, que reconhece seu temperamento um pouco “colérico”.
Poema para a mãe
No Maine, Salgado Maranhão conheceu o pintor Will Barnet (1911-2012) e, inspirado por suas telas coloridas, em que o cotidiano e o onírico se encontram, compôs 30 poemas para um livro ainda inédito.
Além da beleza das metáforas, da musicalidade e da densidade filosófica (e das boas traduções de Levitin), a poesia de Salgado conquistou os americanos por juntar a cultura popular (e rural) nordestina com cenas urbanas e um certo hermetismo.
—Nos Estados Unidos, temos muito interesse na produção dos poetas afrodescendentes espalhados pelas Américas — afirma Jack Draper, professor da Universidade do Missouri. —A poesia de Salgado tem uma temática variada, que vai da cultura regional no Nordeste a temas universais. A colaboração com Levitin é essencial, pois ele conseguiu verter os sons e os ritmos do português para o inglês.
Draper escreveu o prefácio do último livro de Salgado, “A sagração dos lobos” (7Letras), e descreveu o poeta como um “um físico nuclear da linguagem”. Ele assistiu a duas palestras de Salgado na Universidade do Missouri.
Nas palestras, Salgado conta do Maranhão rural e violento onde nasceu e da mãe, que trabalhava na lavoura. E arremata lendo “Mater”, poema que compôs para a ela: “De ti não há sequer/ um álbum de família:/retratos da infância/ nos campos de arroz e gergelim”.