Luana Génot
Mas você só fala sobre raça?”, algumas pessoas me perguntam. E assim como o professor e filósofo Silvio Almeida, em geral, questiono de volta: “como falar de ciências, economia, moda e beleza, democracia e mercado de trabalho sem discutir a questão racial?” Não se trata de falar “só” sobre racismo. Nós, de fato, falamos sobre tudo. Mas não dá para discutir qualquer assunto sem perpassar a questão racial.
No trabalho, você já teve chefes negros? Uma pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com a CUFA mostra que 66% dos respondentes afirmam ser liderados por pessoas brancas. Qual a cor dos economistas convidados para falar sobre retomada pós-Covid-19 nas entrevistas que você viu? Quando faço esse tipo de pergunta, é também para instigar meus amigos jornalistas a serem mais intencionais nas escolhas de fontes negras em diversas áreas, se querem mesmo ser antirracistas. E nomes não faltam. As listas de nossas referências de mundo têm cor.
Especialmente após o assassinato de George Floyd, o “Pequeno manual antirracista”, de Djamila Ribeiro, capa da ELA desta semana, vem figurado na lista dos livros mais vendidos do país. Outros clássicos como “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, e “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, também dispararam suas vendas.
A lista do jornal “The New York Times” também tem estado cada vez mais negra e falando sobre a temática racial: três dos cinco mais vendidos de não-ficção são de autores negros como Ibram Kendi e Ijeoma Oluo. Há também o livro “Fragilidade branca” de Robin DiAngelo, autora branca. Afinal, este assunto é também dos brancos. Os livros mais vendidos na Amazon e na Barnes and Noble falam sobre raça e racismo correlacionando com diversas esferas, como política e economia.
Os tempos atuais nos dão sinais de que devemos entender, de uma vez por todas, que educação antirracista não é fazer favor para os negros. Mas é sobre fazer um favor para si mesmo e se ajudar a ter uma visão mais ampla do mundo, para além do próprio umbigo. Para além de se colocar no centro do mundo e considerar o que os outros pensam como “mimimi”. Isso é muito limitado. Nunca devemos relativizar a dor alheia. Ignorar o que o outro sente tem perdido lugar no topo destas listas, pelo menos.
Nosso Machado de Assis, que durante muito tempo foi embranquecido e teve sua negritude omitida por aqui, virou recentemente best-seller nos Estados Unidos. “Memórias póstumas de Brás Cubas” se esgotou em um dia, assim que foi lançado em meio aos protestos do “Black Lives Matter”.
A nova tradução do clássico brasileiro traz notas que contextualizam as desigualdades raciais no Brasil e, portanto, endossam a atemporalidade, e, ao mesmo tempo, a conexão com os tempos atuais que vivemos.
Para quem não lembra, Cubas é um fantasma que conta sua vida após a morte de maneira bem irônica, inclusive problematizando os privilégios da elite branca da época, em que era possível ter um negro, empregado de estimação, “quase da família”, enviando filhos para estudar fora do país ou ainda se preocupando muito com o desenho de alianças propositais via casamento por interesses políticos ou para valorizar o nome da família. Quer algo mais atual do que isso?