“A União Europeia, que sempre foi um ator muito progressista nas negociações e que em muitos momentos conseguiu se unir a países vulneráveis para trazer inovações ao sistema, não está agora em seu melhor momento, tendo de lidar com todas essas ameaças, o que pode realmente fazer uma diferença [negativa]”, afirma Unterstell.
Nesse contexto, o fato de a UE ainda não ter apresentado a atualização de seu plano de redução de emissões é considerado motivo para alerta. Os europeus, contudo, estão longe de ser os únicos atrasados na submissão das chamadas contribuições nacionalmente determinadas, mais conhecidas pela sigla em inglês NDCs.
O instrumento é um dos pilares do Acordo de Paris, que prevê que as nações apresentem revisões de seus compromissos a cada cinco anos, com a expectativa de que cada nova versão seja mais ambiciosa do que a anterior.
Na etapa atual, os signatários precisam apresentar suas metas para 2035. Até agora, no entanto, apenas 21 das 194 partes —responsáveis por cerca de 22% das emissões globais— já entregaram seus documentos. O prazo venceu oficialmente em fevereiro, mas foi informalmente estendido até setembro diante do atraso generalizado.
“Houve uma aposta muito grande, inclusive do Brasil e das últimas presidências das COPs, de que nós chegaríamos a Belém com pelo menos as metas climáticas dos países alinhadas com o objetivo de limitar o aquecimento a 1,5 °C. E hoje, infelizmente, estamos longe disso”, disse Maiara Folly, diretora-executiva da Plataforma Cipó, instituição dedicada à promoção da cooperação internacional para ação climática. “A maior parte dos países ainda não submeteu as suas NDCs atualizadas, o que é bastante preocupante.”
Em outro sinal de alerta, avaliações independentes indicam ainda que os compromissos já entregues não estão de acordo com as metas do Acordo de Paris.
De acordo com a análise do Climate Action Tracker, apenas a proposta apresentada pelo Reino Unido está alinhada ao objetivo de manter o aquecimento do planeta em até 1,5 °C. A NDC do Brasil, segundo país a entregar o compromisso, foi considerada não compatível com esse objetivo.
As atenções se voltam agora para as NDCs de grandes emissores, sobretudo os integrantes do G20, que respondem por 80% das emissões globais. O documento da China, maior poluidor da atualidade, é o mais aguardado.
O Brasil vem atuando junto à ONU (Organização das Nações Unidas) para tentar incentivar a entrega dos textos a tempo da COP30 em Belém.
No fim de abril, uma cúpula virtual convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, abordou o tema com 17 chefes de Estado.
Na ocasião, além de adotar uma postura oposta à dos EUA, defendendo o reforço do multilateralismo climático, o presidente chinês, Xi Jinping, esclareceu pela primeira vez que a NDC chinesa para 2035 irá contemplar todos os setores da economia e todos os gases causadores de efeito estufa.
Na avaliação de Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, as relações entre Brasil e China podem desempenhar um papel estratégico na consolidação da agenda climática global. Ela relembra que as nações têm um histórico de cooperação e poderiam alinhar as posições.
“Acho que a China está sendo instada pelo Brasil a ajudar mais na COP, inclusive com a questão de floresta, o que seria uma novidade e que eu espero que dê frutos. A China neste momento não tem nada a perder, ela é um eletroestado, é o país dominante na corrida pelas baixas emissões”, detalhou.
Em meio a tudo isso, a presidência brasileira da COP30, comandada pelo embaixador André Corrêa do Lago, veterano das negociações climáticas, tem o desafio de fazer avançar as negociações. A atuação da diplomacia brasileira, após duas presidências de COPs com forte influência da indústria do petróleo, é aguardada com entusiasmo entre governos e na sociedade civil.
Para Maiara Folly, diretora-executiva da Plataforma Cipó, a “expectativa gigantesca” em torno da presidência brasileira, embora demonstre confiança na diplomacia do país, também pode ser perigosa, tendo em conta as limitações da agenda a ser discutida em Belém.
“Do ponto de vista das negociações, hoje a maior parte dos compromissos climáticos, dos grandes temas, já foi negociada, como a questão do financiamento, que foi o ponto central em Baku, na COP29”, disse. “Há muito pouco em que se pode efetivamente avançar, porque muitas coisas já foram definidas em outras COPs”, detalha ela, que considera, contudo, que o Brasil tem credenciais sólidas para a missão.
Unterstell relembra a atuação brasileira em outros cenários desafiadores da diplomacia climática. “Nós temos as condições de ouvir, de alinhar projetos, de saber dar nó em pingo d’água. Nós já vimos isso acontecer, essa liderança brasileira, na Rio 92 e em outros momentos.”
Ela diz considerar, porém, que a agenda interna do Brasil, como o projeto de lei que afrouxa as regras do licenciamento ambiental e o projeto de exploração de petróleo na bacia Foz do Amazonas, podem trazer ruídos para a COP30.
“A tensão está altíssima, e todos esses elementos tiram, sim, o nosso brilho. E mais do que isso, vão tirar muito a atenção sobre as coisas que precisam acontecer”, afirmou. “Precisamos virar esse jogo para conseguirmos ter equilíbrio e chegar à COP30 como bons anfitriões. Se não, isso pode ser explorado como alguma vulnerabilidade, o que não vai ser bom.”
Giu