O procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Pará e seu antecessor no cargo adotaram posições que, na prática, desautorizaram a atuação de promotores e favoreceram o governo local de Helder Barbalho (MDB) na execução de iniciativas controversas, relacionadas à COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas). Belém sediará o evento em novembro.
Procurador-geral de Justiça é o cargo máximo dos MPs estaduais, e a nomeação é feita pelos governadores dos estados. Nas últimas duas nomeações feitas por Barbalho para o posto, a escolha dos nomes se deu a partir de votações internas no MP.
A atuação do ex-procurador-geral César Mattar Jr. e do atual titular do cargo, Alexandre Tourinho, permitiram a continuidade de uma obra da COP30 que causa impactos ambientais e de um contrato futuro de venda de créditos de carbono no valor de R$ 1 bilhão, anunciado pela gestão de Barbalho como uma vitrine e como um ato relacionado à preparação para a COP.
Nos dois casos, a atuação do procurador-geral de Justiça se deu na direção oposta de atos assinados por promotores de Justiça, que atuam na primeira instância da Justiça do Pará.
Na primeira instância, a Justiça concedeu liminar barrando as obras feitas pelo governo do Pará. Poucos dias depois, a liminar foi derrubada pela segunda instância, o que garantiu a continuidade do empreendimento, listado pela gestão de Barbalho como uma das obras da COP30.
O procurador-geral de Justiça opinou em defesa da decisão que derrubou a primeira liminar. A manifestação de Mattar é oposta a um pedido do próprio MP. Foi uma ação do MP, que detalha impactos ambientais das obras, a responsável por pedir a paralisação do empreendimento.
Tourinho assumiu o cargo em 14 de abril. Nos últimos dias 19 e 20, ele se manifestou junto ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) a favor da derrubada de uma recomendação expedida por colegas de primeira instância. Os promotores assinaram a recomendação em conjunto com o MPF (Ministério Público Federal) no Pará.
MP e MPF recomendaram a imediata anulação de um contrato futuro de venda de créditos de carbono firmado pelo governo do Pará, no valor de R$ 1 bilhão. O acordo foi feito com uma entidade chamada Coalizão Leaf e anunciado por Barbalho em setembro de 2024.
Segundo procuradores da República e promotores de Justiça, existe um “alto grau de especulação gerado por essa modalidade contratual”, e por isso deveria haver anulação imediata do contrato. A recomendação foi expedida em 11 de abril e contestada pelo governo do Pará no CNMP.
Com a posição do procurador-geral de Justiça, que disse ser necessário resguardar o princípio da segurança jurídica, um conselheiro do CNMP suspendeu, no último dia 21, os efeitos da recomendação.
A conciliação, que envolve MPF e governo do Pará, busca um entendimento jurídico sobre o contrato firmado e mitigar riscos financeiros e contratuais decorrentes de “eventual tipificação equivocada da operação como venda antecipada”, conforme a nota do MP.
A instituição não respondeu aos questionamentos relacionados às obras da rua da Marinha.
O BNDES aprovou financiamento de R$ 248,5 milhões para duplicação e prolongamento da avenida. As obras provocam desmatamento de vegetação amazônica, com perdas de árvores de 64 espécies, sendo cinco de maior importância ecológica e duas integrantes da lista oficial de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.
O impacto ambiental é descrito nos documentos do processo de licença, concedida por órgão do governo do Pará, responsável pelas obras.
O governo do Pará diz que a ampliação da rua da Marinha integra o pacote de obras da COP30 porque será necessário abrir espaços para a circulação do público durante a conferência, quando são esperadas 40 mil pessoas. E também para melhorar o tráfego e o acesso de carros ao estádio do Mangueirão, que poderá ser usado na COP, segundo o governo local.
A gestão de Barbalho diz que o empreendimento está dentro da legalidade. “A obra da rua da Marinha integra um complexo metropolitano de mobilidade e compreende mais de um município”, afirma. “A atribuição da análise é estadual e a obra possui licença prévia e de instalação.”
No caso dos créditos de carbono, o acordo do governo local com a Coalizão Leaf garante a venda de R$ 1 bilhão em créditos, gerados por um ente jurisdicional, em que o próprio estado assume a dianteira na formulação e venda desses títulos.
O acordo envolve a venda de 12 milhões de créditos de carbono a um preço de US$ 15 por tonelada. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento da floresta que é evitado.
O Pará geraria esses créditos a partir da preservação de áreas de floresta. Comunidades tradicionais, principalmente indígenas, quilombolas e de ribeirinhos, protestam contra o acordo costurado por Barbalho, por não ter havido a devida consulta livre às comunidades.
O governo do Pará afirma que o contrato é um pré-acordo com condições comerciais futuras, sem transações efetivas ou obrigação de compra antes da verificação da redução de emissões. “Está dentro da legalidade. A venda só será concluída caso os créditos sejam devidamente emitidos após a verificação dos resultados.”
Não há possibilidade de revenda dos créditos, e o sistema jurisdicional é elaborado com transparência, diz. “Em breve serão iniciadas as consultas prévias, livres e informadas junto a comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas sobre o sistema.”