As obras da Ceasa (central de distribuição de alimentos) e do camelódromo em Imperatriz começaram com verbas federais da estatal Codevasf no governo Jair Bolsonaro (PL), mas não passam até agora de dois elefantes brancos, no segundo município mais populoso do Maranhão.
Os prédios ainda sem utilização mostram que a marca de descontrole administrativo da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) vai além das situações de pavimentação e entrega de maquinário já reveladas pela Folha.
A pior condição é a da obra da Ceasa, parada há mais de um ano e meio. Atualmente é impossível chegar ao local por via terrestre. Uma cratera impede a circulação de veículos pela estrada. O mato alto barra a passagem a pé. A Folha, porém, conseguiu constatar a situação com imagens de um drone.
Já o camelódromo chegou até a ser inaugurado em outubro passado, mas não entrou em operação porque, após chuvas, surgiram problemas no teto e infiltrações nas estruturas do edifício. O custo total dos dois empreendimentos deve superar R$ 6 milhões.
O “padrinho” das obras é o senador bolsonarista e corregedor do Senado, Roberto Rocha (PTB-MA), que utilizou um mecanismo anterior ao das emendas de relator no Congresso para canalizar verbas federais para as construções. Em uma entrevista à TV local, ele disse que as obras contavam com “100% de emendas do senador Roberto Rocha”.
O congressista virou alvo da Polícia Federal em inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre desvio de emendas parlamentares, mas por casos que não tratam das obras de Imperatriz.
Ao mandar investigar políticos sob a suspeita de envolvimento no desvio de recursos de emendas no Maranhão, o ministro do STF Ricardo Lewandowski incluiu Rocha entre os alvos.
O ministro se baseou em manifestação da Procuradoria-Geral da República, que defendeu a apuração após analisar informações encontradas com o grupo suspeito de operar o esquema e recuperadas pela PF.
Os investigadores analisaram trocas de mensagem via WhatsApp. Nos diálogos, um dos suspeitos enviou tabelas e anotações com valores, nomes de pessoas e de municípios maranhenses. Um dos nomes que apareceram no material foi o do corregedor do Senado.
Para a realização das obras da Ceasa e do camelódromo foram assinados acordos de repasse, que na linguagem técnica são chamados de termos de compromisso, entre a Codevasf e a Prefeitura de Imperatriz.
Segundo o portal da transparência federal, as construções contam com “recurso orçamentário oriundo de crédito extraparlamentar do senador Roberto Rocha”.
Este tipo de crédito não era contabilizado na cota de emenda individual que cada parlamentar pode indicar. Desde 2020 o governo centraliza a liberação da verba de negociação política, que privilegia aliados, nas chamadas emendas de relator.
A Ceasa de Imperatriz teve o início das obras em novembro de 2019, após cerimônia de lançamento cujo registro em vídeo com o logotipo do senador continua disponível na internet.
O projeto da central prevê um galpão com 1.900 metros quadrados de área construída para abrigar mais de cem boxes destinados à comercialização de produtos agrícolas.
Esse prédio já tem suas fundações e paredes iniciadas, mas ainda falta bastante para se chegar ao teto.
A parte mais adiantada do complexo é a área administrativa, uma construção térrea de 180 metros quadrados para a qual falta acabamento.
Também já é visível parte da portaria da central de abastecimento, mas ela também ainda não conta com cobertura.
Em maio de 2021 o presidente Jair Bolsonaro recebeu o título de cidadão imperatrizense pela “parceria em investimentos” feitos na cidade, como o da Ceasa e do camelódromo.
A obra do Ceasa foi licitada em 2019. O prefeito de Imperatriz, Assis Ramos, deu um “ultimato” na empreiteira responsável pela obra em maio de 2021, segundo portal do Executivo local. Em setembro do mesmo ano foi publicado o encerramento do contrato de construção.
Uma nova empresa foi escolhida para a obra. O acordo para conclusão do serviço, com valor de R$ 1,4 milhão, foi publicado em fevereiro de 2022 no Diário Oficial.
O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Imperatriz, Antonio Ferreira Lima, diz que a paralisação da obra afeta muito os trabalhadores do campo locais.
“Para nós da roça essa obra parada prejudica muito. Muitas vezes a gente produz e não tem onde colocar, e aí muita coisa é perdida”, afirma Lima.
O camelódromo, oficialmente chamado de Centro de Comercialização de Produtos Regionais – Shopping da Cidade, está localizado no centro da cidade, ao lado do terminal de ônibus local.
O prédio tem 5.000 metros quadrados de área construída, com mais de 250 boxes.
A Folha visitou o camelódromo no começo de abril e ele ainda passava por reparos.
Apesar de o projeto ter sido anunciado como um meio para a comercialização de produtos regionais, o que estaria dentro do foco de atuação da Codevasf, os letreiros já instalados em alguns boxes indicam majoritariamente o comércio de acessórios para celulares e roupas.
A Codevasf cresceu em contratos no atual governo. De 2018 a 2021, o valor empenhado (reservado no orçamento para pagamentos) pela estatal avançou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões, a reboque das emendas parlamentares, —tudo isso sem planejamento e com controle precário de gastos.
Como mostrou a Folha, a Codevasf mudou de foco e passou a investir em pavimentações feitas a partir de licitações afrouxadas para escoar emendas parlamentares no governo Bolsonaro. A nova postura já resultou em obras precárias, paralisadas e superfaturadas.
CODEVASF DIZ QUE FALTA R$ 1 MILHÃO PARA CONCLUIR OBRA DO CEASA
Questionada sobre a interrupção da construção da Ceasa de Imperatriz, a Codevasf, por meio de nota, afirmou que houve atrasos no cumprimento do cronograma e baixa execução das obras previstas no acordo com a Prefeitura de Imperatriz, e por isso o envio da verba que faltava para concluir a obra foi cancelado.
A Codevasf relata que a construção tinha orçamento de cerca de R$ 2,2 milhões e a estatal repassou R$ 1 milhão ao município.
“O valor restante do instrumento, caracterizado como restos a pagar, foi cancelado em 31 de dezembro de 2020 —cancelamentos ocorrem periodicamente em rotinas de execução orçamentária, para reavaliação dos empreendimentos”.
A Codevasf afirma que cumpriu integralmente seus compromissos e agora estuda novas soluções orçamentárias e de execução para a obra.
Quanto ao camelódromo, a Codevasf relatou que a Prefeitura de Imperatriz é a responsável pela contratação da empresa que executou a obra e informações sobre a construção e o uso do espaço devem ser fornecidas pela municipalidade.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Imperatriz afirmou por meio de nota que a construtora vencedora da concorrência para a construção da Ceasa não estava cumprindo o cronograma físico da obra e sinalizou que não poderia prosseguir com a sua execução.
“Depois do distrato em comum acordo, uma nova licitação foi realizada e concluída. A nova empresa já assinou o contrato e ainda nesse mês a obra será retomada”, segundo a nota.
Sobre o acesso à obra, a prefeitura relatou que ele “foi destruído devido ao inverno rigoroso que afetou a cidade. Com a diminuição das chuvas, a via será reconstruída com recursos próprios da Prefeitura de Imperatriz”.
Quanto ao camelódromo, a prefeitura afirmou que a empresa ganhadora da licitação alegou que os preços dos materiais para construção da obra ficaram defasados, em decorrência da pandemia da Covid-19.
“Foi necessário fazer várias readequações e diversos prazos estabelecidos, o que ocasionou atrasos na obra. Um dos motivos apresentados foi o falecimento repentino do proprietário, gerando, segundo a empresa, problemas administrativos e financeiros”, segundo a administração local.
A prefeitura prometeu que no dia 20 de abril iria entregar as cessões de uso dos boxes.
A Folha ouviu beneficiários de boxes do camelódromo na terça-feira (26) e ele informaram que o centro comercial ainda não foi reaberto.
O senador Roberto Rocha afirmou que “faz as indicações das emendas com suas destinações. Quanto à execução das obras, estas são de responsabilidade do órgão executivo Codevasf e do convenente, a prefeitura do município”.
“Cabe ao senador cobrar a celeridade para a conclusão da obra. Isto, ele tem feito”, completou.
Questionado sobre ser alvo de investigação no STF, o senador disse que “a única atualização a ser feita é a da Folha de S.Paulo, reconhecendo que o senador nada tem a ver com o objeto em causa”.