De O Estadão
BRASÍLIA – Demitida da presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) nesta quarta-feira, 11, Kátia Santos Bogéa disse que foi comunicada da decisão pelo Diário Oficial da União. “Uma deselegância”, afirmou em entrevista ao Estado. Ela evitou fazer críticas à nova política cultural do governo, mas não esconde a mágoa por ter de deixar o cargo. “A história vai julgar se nós estamos indo ou não no caminho certo.”
Bogéa ocupava o posto desde 2016, ainda no governo de Michel Temer, e sua nomeação era atribuída ao ex-presidente José Sarney, cacique do MDB. Ela nega ser afilhada política do emedebista e diz que sempre foi “uma técnica”. “É um governo que sempre pregou a ética e a transparência, o compromisso pela qualidade técnica. E este é exatamente o meu perfil. Se esse perfil não encaixa, tem algo que não bate bem nisso”, disse.
A agora ex-presidente do Iphan, porém, elogiou a escolha da arquiteta Luciana Feres para sua sucessão. “Foi um alivio a indicação da Luciana porque ela é do ramo.”
Como a sra. foi comunicada da sua demissão?
Soube da minha exoneração pelo Diário Oficial.
Considerou um desrespeito?
Não. Eu acho apenas que foi uma deselegância. Foram três anos e meio que me esforcei muito pelo País. No mínimo, deveria ser chamada, conversar, agradecer. Isso (demissão) é normal. Faz parte do jogo. As pessoas são substituídas.
Ficou decepcionada?
Eu trabalho há 39 anos no Iphan. Minha preocupação é com a minha instituição, é uma questão de amor. Espero que a semente que plantei continue. Consegui fazer um concurso no governo Michel Temer e no início do governo Bolsonaro conseguimos nomear 411 concursados, servidores técnicos, que vão defender a preservação do patrimônio histórico. Isso foi uma vitória.
A senhora conversou com o ex-presidente Sarney? É que as pessoas atribuem a sua nomeação a ele.
Minha relação com presidente Sarney é de amizade de família. Não tem nada a ver, como as pessoas falam, que sou indicação política do dele. Muito pelo contrário, sou uma técnica e não trabalho para governo. Nunca trabalhei para governo. Eu trabalho para o Estado brasileiro e fiz o meu melhor.
E a sua sucessora?
Deixo Iphan organizado, arrumado, fortalecido e a pessoa que vem pro meu lugar, a Luciana, é uma arquiteta. É uma menina boa e é do campo do patrimônio. Essa é a boa notícia. Tenho certeza que vai poder dar continuidade ao trabalho que nos esmeramos tanto. Acho que o Iphan vai ficar bem. Foi um alivio a indicação da Luciana porque ela é do ramo.
Quando começaram as mudanças na Cultura, o deputado Hildo Rocha (MDB-MA) chegou a enviar uma carta ao presidente Jair Bolsonaro pedindo sua permanência no Iphan. Não deu certo?
Houve uma mobilização gigantesca no Brasil pela minha permanência. Os políticos todos pediram pela minha permanência. E pediram por quê? Porque está tão escasso hoje em dia de pessoas absolutamente comprometidas, técnica, que tem amor pelo que faz, que é transparente, que recebe todo mundo, ouve todo mundo, que coloca amor em tudo. Esses valores e essas qualidades, infelizmente, estão em extinção na raça humana. Então, a semente que deixamos plantada, com certeza, vai germinar. E eu saio tranquila e, no dia da minha saída, o trabalho que eu fiz durante 10 anos, terá a decisão sobre a possibilidade do Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão se tornar Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (logo após Kátia conceder esta entrevista ao Estado, o Bumba Meu Boi do Maranhão foi escolhido como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em reunião realizada em Bogotá, na Colômbia, nesta terça-feira, 10). Tenho certeza que será reconhecido. Saio feliz, tranquila, deixando legado que tem reconhecimento no meu país e lá de fora. Estou de alma lavada e espero que minha instituição se mantenha firme e forte porque esta é uma casa de luta.
Acha que foi perseguida?
Não. Eu acho que é natural. Governo novo, com outro pensamento, quer colocar suas pessoas, não tem relação comigo, acha que sou de outro governo e eu não sou de outro governo. Como já falei, trabalho para o Estado. Mas é uma percepção que a gente está vendo. É natural. O que choca um pouco é porque todos pediram pela minha permanência. Foi um movimento diferenciado e isso não foi acolhido. Mas, não sou eu que tenho de responder. É um governo que sempre pregou a ética e a transparência, o compromisso pela qualidade técnica. E este é exatamente o meu perfil. Se esse perfil não encaixa, tem algo que não bate bem nisso.
Há muitas críticas ao desenho que se está sendo dado à política cultural. A sra. classifica que está em curso um desastre, como diz a oposição?
Eu sou historiadora. A história vai julgar se nós estamos indo ou não no caminho certo.
Houve muitas críticas às escolhas feitas na cultura.
Não vou falar sobre isso. Eu quero sair sem (criticar)… Eu fiz um trabalho absolutamente correto. Vou sair de forma correta. Não vou fazer nenhuma crítica a nada, nem a ninguém. Quem tem de julgar é a sociedade brasileira. Todos sabem o que eu fiz. Todos lutaram para que eu permanecesse e não foi possível. Faz parte do jogo democrático. A gente aceita e a população que consiga ter, de fato, o sentimento crítico para perceber se o que está sendo feito é correto ou não é correto.
No caso da nomeação do novo presidente da Fundação Palmares, que a Justiça chegou a suspender, como a sra. vê essa polêmica toda?
Não vou falar sobre isso. É problema do governo e da forma como o governo encara hoje a cultura no Brasil. A população que julgue.
A sra. permanece no Iphan como servidora?
Não. Já sou aposentada. Já estou fora. Estou aqui empacotando meus livros, para voltar pra minha casa. Tem aquela comoção inicial, que é natural… Nada que 48 horas não resolvam. Vida que segue. A boa notícia é que a Luciana é uma pessoa do ramo.