Antes que a Mancha Verde entrasse na avenida do Anhembi, no sábado (2), seu presidente, Paulo Serdan, disse que ninguém tiraria o título da escola desta vez. E ele estava certo. Com posições cada vez melhores nos últimos anos, a Mancha conseguiu seu primeiro título do Carnaval em 2019.
A melhora gradual de desempenho pode ser entendida, em grande parte, a partir da ajuda financeira que passou a receber da Crefisa, patrocinadora do Palmeiras. A escola é uma extensão da torcida organizada do clube.
O dinheiro doado para a organizada faz parte da estratégia da dona da Crefisa, Leila Pereira, de conseguir apoio na política do Palmeiras.
Em 2019, segundo informações do Ministério da Cultura, ela doou quase R$ 3,5 milhões para que a Mancha fizesse seu desfile. Desde 2016, quando começou a passar dinheiro para a organizada, já deu mais de R$ 6 milhões por meio da lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura).
Para efeito de comparação, a Prefeitura de São Paulo repassou R$ 1,18 milhão para cada escola do Grupo Especial, ou seja, menos da metade do que a Mancha recebeu da patrocinadora palmeirense.
Por outro lado, o rebaixamento inédito da Vai-Vai para o Grupo de Acesso não é evento isolado. Três das quatro mais tradicionais escolas já estão nele em São Paulo: Peruche, Camisa Verde e Branco e Nenê de Vila Matilde. Elas podem voltar ao Especial após apuração de suas notas nesta terça-feira (5).
No caso da Mancha Verde, a relação de Leila Pereira com a escola é tão próxima atualmente que a quadra da escola de samba passou a se chamar “arena José Roberto Lamacchia [marido de Leila, dono da Crefisa e também conselheiro do Palmeiras] & Leila Pereira”.
Em anos anteriores a escola chegou a pensar um carro alegórico sobre Byron, o cachorro de Leila que aparece nos comerciais da Crefisa, mas a homenagem foi dispensada pelo casal.
Entre 2013 e 2015, anos que antecederam o apoio da Crefisa, a escola oscilou entre as últimas colocações no Grupo Especial e as primeiras do Grupo de Acesso. Após o começo da ajuda, a escola conseguiu ser campeã do Grupo de Acesso (2016), 10ª colocada (2017), 3ª colocada (2018) e, enfim, campeã.
No desfile deste ano, a escola usou o enredo “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra” para contar a história da princesa africana Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares, e, por meio dela, discutir escravidão, intolerância religiosa e direitos humanos.
Para este ano, contratou o renomado carnavalesco Jorge Freitas, que já tinha quatro títulos do Grupo Especial.
A Mancha Verde apostou em fantasias com texturas que remetiam à tradição africana, com cores arenosas e terrosas e padrões de pele de onça e de tigre. Máscaras africanas despontaram de todos os lugares. A riqueza de detalhes foi um ponto forte.
Uma das alas mais impressionantes do desfile contava com passistas grávidas com mãos acorrentadas, em uma representação de escravas usadas para reprodução.
O enorme abre-alas, com dois acoplamentos, apareceu com elefantes e bustos de mulheres negras. Bastante colorido, foi um dos pontos altos do desfile.
O último carro mostrava um grande busto dourado de Zumbi dos Palmares, feito de ferro, que será doado ao Museu Afro Brasil.
VAI-VAI
A maior campeã do Carnaval paulistano, a Vai-Vai fez um belo e emocionante desfile este ano, apesar de carros alegóricos com acabamentos mais simples que as grandes escolas este ano. A arquibancada cantou e vibrou com o samba que falava sobre a rica herança e o futuro glorioso dos povos negros.
O clima da escola na dispersão do Anhembi após sua apresentação era de comemoração. O otimismo, porém, não se confirmou quando foram lidas as notas dos jurados.
Foi determinante para o rebaixamento da Vai-Vai o seu desempenho na comissão de frente, onde perdeu 0,7 pontos, dos 30 possíveis. A escola perdeu ainda 0,4 pontos no quesito alegoria e 0,1 em fantasia.
O desempenho inconstante da Vai-Vai nos últimos Carnavais já havia aberto uma crise interna na escola, que não vence desde 2015. No ano passado, ao fazer uma homenagem a Gilberto Gil, a escola obteve a decepcionante 10ª colocação (o pior resultado em 14 anos).
Em entrevista publicada na Folha, o presidente de honra da escola, Edimar Tobias da Silva, critica a atual diretoria da Vai-Vai que estaria lutando para se perpetuar no comando da escola.
Ele cita ainda que a agremiação teria R$ 3 milhões em dívidas (não comentadas pela atual diretoria), o que impactaria diretamente na qualidade do desfile.