O contexto de crise financeira que afeta todo o país impacta significativamente as prefeituras, que têm visto os repasses de programas federais diminuírem ou serem congelados, sem acompanhar o aumento da inflação. Nas cidades menores, mais vulneráveis à recessão ou ao baixo crescimento, serviços de atendimento à população vêm sendo comprometidos, aumentando a grita de prefeitos eleitos em 2016 já em um contexto de degradação das finanças. Eles temem chegar enfraquecidos à disputa municipal de 2020.
Nas últimas décadas, a União criou cerca de 400 programas e convênios nas áreas social, de saúde e educação. A responsabilidade da gestão foi repassada para as prefeituras. Vários serviços são obrigatórios — e outros são mantidos porque cortá-los significaria perder votos. Para prestar esses serviços, os municípios precisaram contratar mais servidores, o que ajudou a inflar a folha de pagamentos. Segundo o último dado do IBGE, havia 6,5 milhões de servidores municipais em 2014 — 2,6 milhões a mais do que em 2001. Os programas afetados pela falta de reajustes abrangem áreas como merenda escolar, saúde e assistência social. Procurado, o Tesouro Nacional informou que não há previsão de aumento nos repasses aos programas, pois não há espaço orçamentário para isso.
—Todos os programas são subfinanciados e o valor que a União repassa não cobre o custo. Não tem reajuste e a situação se agrava ano a ano. Os prefeitos estão sob pressão — diz Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Segundo Gustavo Fernandes, professor de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), os prefeitos enfrentam pressão por melhoria e manutenção de serviços porque estão mais próximos do eleitor. Mas preferem se colocar na posição de simples alocadores dos recursos federais, com receio de perder votos.
— A maioria dos prefeitos não cobra os impostos municipais, como IPTU e ISS, para não se indispor com seus eleitores. Tem município com inadimplência superior a quatro anos. Os prefeitos são incapazes de atualizar valores para gerar receita própria porque isso tem custo político —diz ele.
BLOQUEIO DE R$ 30 BI
Das receitas com impostos, cerca de 68% ficam com a União, 24% para os estados e 18% para os municípios. Essa regra foi criada em 1967, ainda no governo militar, e nunca foi alterada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, promete discutir essa distribuição, refazendo o pacto federativo.
Especialista em contas públicas, o economista Raul Velloso afirma que os repasses menores da União a prefeituras são reflexo da crise fiscal do país. Ele lembra que, diante de uma arrecadação federal menor, o governo bloqueou este ano quase R$ 30 bilhões do orçamento para que o déficit de R$ 139 bilhões previsto para 2019 não cresça ainda mais. — As prefeituras têm pouca capacidade de criar novas receitas. Por isso, os prefeitos precisam ter uma gestão em que negociem valores e prazos dos contratos que mantêm com seus fornecedores. Na prática, devem se financiar com seus fornecedores. E não podem aumentar despesas —diz Velloso.
A cidade de São Bento do Una, no Agreste de Pernambuco, é uma das que têm dificuldades financeiras, por exemplo, para servir a merenda escolar. A União repassa R$ 0,36 por aluno do ensino fundamental, por dia, no programa de alimentação. Pelos cálculos da prefeita Débora Almeida (PSB), o prato de comida mais barato oferecido às criança sé o cuscuz comovo, que custa R $0,68. O valor corresponde apenas à compra de produtos, sem contar o salário das merendeiras e o preço do botijão de gás.
Em 2015, um ano antes de os prefeitos serem eleitos, foram repassados R$3,7 bilhões para o programa de merenda escolar. No ano passado, esse valor foi para R$ 4 bilhões. Se essa verba tivesse sido corrigida pela inflação dos três anos anteriores, a quantia deveria ter sido de R$ 4,7 bilhões. A recuperação, no entanto, não deve acontecer este ano —o orçamento para 2019 é de R$ 4,1 bilhões. A CNM estima que as cidades devem gastar este ano R$ 8,9 bilhões com merenda escolar. A situação não é diferente nas áreas da saúde e assistência social. O prefeito de Agudo (RS), Valério Trebien (MDB), afirma que o município aderiu ao Programa Mais Médico sem 2013 e teve três profissionais na cidade até 2016. Eles foram embora e não foram repostos, e a prefeitura precisou contratar três novos médicos. Gasta agora, por mês, cerca de R$ 40 mil com salários.
Além de menos verbas para o pagamento de serviços básicos, as prefeituras também estão com menos dinheiro para aplicar em obras de infraestrutura. Dos repasses do governo federal para municípios, os que mais caíram foram justamente os destinados a investimentos, que representam transferências voluntárias da União. Em 2015 foram repassados R$ 11,2 bilhões. No ano passado, o valor caiu para R$ 7,7 bilhões.
Para o professor Fernandes, a discussão do pacto federativo é positiva, mas é necessário que as prefeituras deem mais transparência ao uso das verbas que recebem do governo federal:
— Se repassar verba para municípios e não cobrar desempenho dos prefeitos, os dois vão ficar sem recursos. A União e os municípios. (Colaborou João Sorima)